terça-feira, 20 de setembro de 2016

CINEMA INDEPENDENTE - FILMES PRODUZIDOS SEM A LEI ROUANET

Entrevista com o cineasta EVANDRO BERLESI.




   Cineasta e roteirista do cinema underground gaúcho, com livros heroicamente publicados e fundador do grupo de cinema Alvoroço, Evandro Berlesi é a prova viva de que nem sempre autodidatas não possuem condições de conquistar um lugar ao sol e consequentemente serem aceitos no mercado oficial. Sua potencialidade atraiu, entre outras coisas, uma entrevista no programa Jô Soares, Pânico e demais veículos de comunicação. A boa repercussão igualmente lhe deu reputação suficiente para convidar atores famosos como Luana Piovani, Werner Schünemann, Jairo Mattos, entre outros. Em seu quarto longa-metragem, "O Maníaco do Facebook" é o mais novo cineasta gaúcho que emerge com talento, sem se importar com a indiferença das grandes corporações do cinema nacional (leia-se Globo Filmes e congeneres) e dos colegas sulistas institucionalizados. Enfim... Ninguém melhor que ele para nos contar sua história num breve resumo.



Naturalmente, vamos começar falando da sua carreira antes de idealizar o longa-metragem EU ODEIO O ORKUT. Vc sempre quis fazer cinema ou tinha em mente se aprimorar em outro segmento?

EVANDRO BERLESI:  Sempre sonhei com cinema. Inclusive, vivia perseguindo o diretor Jorge Furtado. Pois antigamente, filmes só podiam ser produzidos com película, portanto era impossível fazer um filme sem dinheiro, já que só em negativos e revelações de filmes já somavam um valor absurdo, imaginem o resto. Por tanto, um mero morador de Alvorada, sem curso superior, de família pobre jamais conseguiria uma verba grande para se produzir um filme, a única alternativa era tentar trabalhar numa das poucas produtoras da região que faziam cinema, no caso, a Casa de Cinema de Poa. Enchi o saco deles! Invadi o set do curta O sanduíche e entreguei alguns roteiros de curtas pro Jorge. Ele foi educado, mas a produtora quase bateu em mim. Depois fiquei famoso na Casa, por enviar um currículo em forma de roteiro para todos os e-mails deles. Tanto que me chamaram pra contribuir num roteiro de um edital, que para o meu azar, acabou não saindo. A minha intenção naquela época era trabalhar na Casa em qualquer função. Inclusive servindo cafezinho. Pensava que aos poucos poderia me destacar e talvez um dia dirigir um filme. Claro que eu estava enganado, isso jamais aconteceria. Mas graças ao cinema digital, no ano de 2008, com pouco dinheiro, eu dirigi meu primeiro longa-metragem, a comédia Dá um tempo!, que de cara reuniu 25 mil pessoas na sua primeira exibição em Alvorada e foi selecionada para a 13ª Mostra de cinema de Tiradentes/MG. Hoje eu me preparo pra produzir meu 5º longa, continuo pobre, acredito que mais pobre do que nunca, porém recusaria um emprego na Casa, seja lá qual fosse a função, pois a minha paixão por trabalhar com cinema está apenas nas minhas produções. Trabalhar nos filmes dos outros, seria um emprego, não um prazer.


Capa do DVD do longa-metragem.





Se o cinema está em seu sangue, conte como chegou até seu primeiro longa-metragem e por que optou pela parceria de EU ODEIO O ORKUT, com Rodrigo Castelhano. 

EVANDRO BERLESI:   Acabei relatando o processo na resposta anterior. Mas vamos aos detalhes. Eu tinha um grupo de bruxos que vivia se juntando pra fazer filmagens, chamávamos de Cervejada Produções. Éramos eu, Rodrigo Castelhano, Ivo Schergl Jr. e Giovani Borba. Um dos nossos trabalhos de destaque foi o curta Segundos os terceiros. Um roteiro meu que produzimos em Osório. O curta foi super elogiado e também selecionado para o Gramado Cine Vídeo em 2002. Depois disso, o grupo se separou e Rodrigo foi morar em SP. Em 2003 ele me encomendou um roteiro de um curta que tivesse um coreano como protagonista, pois havia um empresário coreano disposto a bancar um curta. Escrevi, enviei pra ele, eles filmaram em Piracicaba e o filme foi um sucesso, O japonês da Coréia. Ganhou 10 prêmios em festivais. Em 2007 eu lancei o meu primeiro livro, o Eu odeio o Orkut. O livro rendeu uma boa repercussão, com isso juntei dinheiro e fechei um investimento pra produzir meu primeiro longa. Criei então o projeto Alvoroço em Alvorada, no caso, a realização de um filme de longa metragem inteiramente alvoradense. Como eu não entendia quase nada da parte técnica, contratei o Rodrigo pra dirigir junto. Fechamos então esta parceria. Eu cuidava de tudo, exceto da técnica. Roteiro, seleção do elenco, preparação do elenco, ensaiava, buscava a locação, escolhia o figurino e decidia todos os detalhes. A parceria foi tão boa que montamos a produtora Alvoroço Filmes e investimos tudo no segundo filme, Eu odeio o Orkut, procedendo da mesma forma.

        Marcos Kligman com Evandro. Foto de divulgação do longa-metragem "Eu Odeio o Orkut".



De onde veio a ideia de realizar um filme como O MANÍACO DO FACEBOOK?

EVANDRO BERLESI: Ao contrário do que é normal: escrever uma história e depois pensar num título, eu geralmente faço o contrário. Penso num título comercial e desenvolvo uma história para aquele título. Foi assim com o Eu odeio o Orkut, Eu odeio o big bróder, O maníaco do facebook e agora com O último youtuber virgem. Como não tenho dinheiro pra promover o meu filme, penso em títulos que se vendem por si só. Claro que todas as histórias tem um pouco de Evandro. Eu fui viciado em Orkut, eu tentei entrar no BBB até ficar com ódio, eu fui maníaco do Facebook (sem matar ninguém, é óbvio hehe) e sofri todas as desilusões amorosas de Jorge em Dá um tempo e de Gabriel em O último youtuber virgem.




Quando você teve a ideia de trabalhar com atores veteranos fazia ideia de que iria alcançar tal objetivo? Digo isso, porque, geralmente, aí no sul do país, sempre que alguém tem uma proposta que foge do cotidiano esse alguém é chamado de louco. De que forma você se blindou para não ser contaminado pelos grupos que geralmente, em OFF, torcem ao contrário por mero provincianismo?

EVANDRO BERLESI: Não entendi a pergunta kkkk.

Provincianismo ou  inveja? Do tipo “eu gostaria de fazer, mas já que eu não faço, tomara que ninguém consiga fazer” ?

É evidente que para muitos eu sou louco. Inclusive pelo fato de ser um cara que vive numa pindaíba e mesmo assim quer fazer um filme atrás do outro. Realmente fiquei surpreso quando celebridades como Luana Piovani toparam fazer parte do nosso filme bizarro sem pagamento de cachê simplesmente pelo fato de querer apoiar a iniciativa. Serei grato a Luana pelo resto da minha existência.

Mas lá no fundo eu não me blindei. Vivo no mundo dos sonhos. Mal durmo a noite, estou sempre articulando planos. Me envolvo em 200 projetos pra talvez 1 dar certo. Inclusive este do youtuber, não está nada certo. Apenas finalizei o roteiro, tenho duas reuniões pra ver se consigo grana, mas indiferente disso que já coloquei na cabeça que vou fazer, mesmo sem nenhum real. O fato é que com grana pode ficar um pouco melhor, sem grana pode ficar um lixo. Mas vou fazer.


Luana Piovani prestigiando o livro "Eu Odeio o Orkut".






Você já pensou em se associar a outros talentos, produzindo outras histórias / projetos promissores (dentro e fora do sul) ou pretende somente trabalhar com conteúdo autoral idealizado para si?

EVANDRO BERLESI: Como respondi na primeira pergunta. Não tenho prazer em trabalhar em produções dos outros. Mas faço isso por dinheiro. Por outro lado, francamente não sei eu somaria.
Na verdade, me considero mais roteirista do que diretor. Por tanto, gostaria de ver os meus roteiros serem filmados por outros diretores e não por mim. Mas enquanto isso não acontece, lá vou eu mesmo estragar as minhas histórias hehehe.



Evandro posando de "Macho Man".




Foi uma surpresa para você saber que no resto do país, conforme aponta a última matéria do blog A BÍBLIA DO CINEMA sobre várias produções independentes que não recorreram a Lei Rouanet e editais? Surpresa, pergunto, na questão dos temas serem ricos e urgentes, afinal, diferentemente do que acontece no mainstream só temos ultimamente a opção de assistir filmes com comediantes de stand up (Paulo Gustavo ou Leandro Hassum), atores da Globo protagonizando dramas sobre casais e solteiros que são fracassados no amor ou mesmo fórmulas demasiadamente desgastadas.

EVANDRO BERLESI:  Sim, surpresa. Eu era um fã alucinado por cinema nacional. Se o filme era nacional, eu dava um jeito de assistir. Via de tudo, desde as chanchadas, dos filmes cabeças – e chatos – do Glauber Rocha, os sensuais do Walter Hugo Khoury até as bombas do Fabio Barreto. Dificilmente eu gostava de um filme nacional, mas mesmo assim assistia, pois aquilo tinha cara de cinema. Sempre vi de tudo! Porém o cinema nacional perdeu esse espectador exatamente pela falta de conteúdo e a aproximação com as tele novelas. Os filmes viraram micro novelas. Eu não quero assistir um filme e ver todo o elenco da novela, e sempre as mesmas figuras. Odeio todos os filmes com Leandro Hassum. A praia do cara é o teatro, é programa de comédia imbecil. Não o cinema. Ele ri das próprias piadas em cena, olha pra câmera, interpreta de forma exagerada, caricata. Enfim, aos poucos, fui deixando de assistir cinema nacional.


Evandro Berlesi em Alto-Mar.



a)Você pretende assistir essas produções independentes citadas no blog, como é o caso do longa O DIÁRIO DE UM EXORCISTA e OS DESAPARECIDOS?

b)Você acredita que esse movimento possa se tornar forte a ponto de influenciar as grandes produtoras a investir nos novos talentos?

c) Sobre a polêmica em torno da extinção do Ministério da Cultura e CPI da Lei Rouanet o que você teria a declarar momentaneamente?

EVANDRO BERLESI: a) claro que sim. Quero assistir!

b) não acredito que o movimento possa influenciar, pois as grandes produtoras não investem nada, fazem filmes com dinheiro público e depois ainda comercializam. Por tanto, necessitam de ideias comerciais com atores da novela. Infelizmente é a realidade.

c) Sobre o ministério da cultura. Eu fui a favor da extinção por uma questão justa, o país está afundando e no momento a prioridade é a comida na mesa. O Minc é um cabide de emprego para esquerdistas e artistas que mamam nas tetas do governo. Só quem se beneficia com esta cultura são os partidários.








Filmes independentes que seguem a linha "Faça você mesmo", entre os quais, o já mencionado "Eu Odeio Orkut".




Fale um pouco de seu trabalho do dia a dia, como sobrevive no mercado e planos para o futuro.

EVANDRO BERLESI:  Sobrevivo com minha câmera. Faço um bico hoje, outro no mês que vem. Ganho pouco, pago minhas contas, compro o básico. Nada de luxo. Mas sou feliz assim. Quando eu trabalhava em empregos que odiava era a mesma coisa. Então prefiro fazer o que eu gosto e ser livre.
Quando começo um projeto de um filme, vendo alguns patrocínios, coisa pouca, dá só pra pagar as pequenas despesas. Porém como o projeto de um filme dura quase 1 ano, incluindo a edição que também sou eu quem faz, a grana acaba e o compromisso continua.

Por isso meus planos pro futuro é investir cada vez mais no Youtube. Vemos aí uma galera de "youtubers" que não produzem conteúdo nenhum, ganhando fortunas, com milhões de inscritos. Bom, se isso existe, também quero a minha parte, só que ao contrário deles, tenho muito conteúdo pra produzir. Talvez este meu desejo tenha me levado a escrever este novo longa. Mas é isso, este é o novo projeto.


       Evandro Berlesi apresentando o programa "Saporra", exibido regularmente no you tube. 



Quais são suas influencias como diretor?

EVANDRO BERLESI: Apesar de meus filmes não apresentarem nada deste diretor, sou fã de Hitchcock, inclusive tenho um baita quadro dele na parede da minha sala. Creio que não seria justo citar um diretor, mas uma época. Meus filmes possuem muito da linguagem dos filmes que eu assistia na Sessão da tarde nos anos 80. É uma coisa mais descompromissada. Eu priorizo a história, a interpretação dos atores e a música do filme. Não dou a mínima para a fotografia, estética ou linguagem de câmera. O público quer é uma boa história, quem está preocupado com fotografia são os críticos. Por isso, eu vou preferir um filme comercial do Steven Spielberg mesmo ao invés de um clássico de Jean- Luc Godard. Mas veja bem, comercial mas com história. Filmes de ação como Os mercenários, Velozes e furiosos, nem assisto.

Gravações do primeiro longa, "Dá Um Tempo" (2008).



Com que atores veteranos gostaria de trabalhar?

EVANDRO BERLESI:  Gostaria muito de fazer um filme com o Isaac Bardavid. Pura nostalgia. Simplesmente porque ele dublou 90% dos filmes da minha infância e adolescência. A voz deste homem, me emociona. Seria uma honra ter esta voz num filme meu.
Agora vou citar um cara que gosto muito e que vai parecer estranho, pois não é um ator consagrado, já que seu estilo sempre foi comédia. Mas me amarro muito no trabalho do Luis Fernando Guimarães, com certeza é um cara que ainda irei trazer para um filme meu.







Cite um ou mais injustiçados do cinema brasileiro.

EVANDRO BERLESI:  Não posso citar ninguém pois realmente não domino o assunto.
Fazer cinema no Brasil é algo tão difícil, que mesmo aqueles diretores que conseguem bons apoios, leis de incentivo, mesmo estes, fazem 1 filme a cada 5 anos. Isso é um absurdo.
Mas vou citar um diretor da velha guarda que fez ótimos filmes e nunca mais ouvi falar: Ugo Giorgetti.





Que conselho você daria a um profissional que estaria iniciando um projeto de cinema, hoje, baseando-se na sua experiência e exemplo como profissional da classe?

EVANDRO BERLESI: Meu conselho é sempre o mesmo. Vai e faz! Não dá pra ficar esperando conseguir grana pra alugar a melhor câmera. Conseguir as melhores lentes. Com um bom roteiro na mão, você encontrará parceiros pra fazer seu filme tornar-se realidade, então “mãos a obra”.

Lançamento de seu novo livro, "Game Over".


Revele qual pergunta gostaria que lhe fizesse numa entrevista e ainda não foi feita, até então.

EVANDRO BERLESI: Qual seu objetivo? 30 filmes de longa metragem até a minha morte. Faltam 26. Estou com 39 anos. Ou seja, vai ser difícil, pois dificilmente consigo fazer um filme por ano. Mas enfim, vou tentar kkkkk.





FILMOGRAFIA

Curtas

2012 - Traz Papel! (vencedor do Prêmio de Melhor Curta no 7º Cine Favela/SP)

2012 - O ano do tsunami

2012 - Dj´s do busão

2012 - Quem vê bullying não vê coração

2012 - A Gangue do batom

2009 - Achei um violão

2009 - Preserve-se

2009 - Tecnicamente Apavorados

2009 - Tem Gente! (vencedor do Prêmio de Melhor Curta na Mostra Independente de Porto Alegre/RS em 2009)

2004 - O Japonês da Coreia (roteiro)


Médias

2010 - Vídeo Suicida



Televisão

2009 - Perfume de Hortênsia (micro-série - SBT RS – roteirista)

2007 - Verão o amor (micro-série - SBT RS – roteirista)

2007 - VidAnormal (seriado – TVCOM/RS – roteirista)


Bibliografia

2006 – Prêmio Revelação Literária da Feira do Livro de Porto Alegre/RS (contos, Ed. Palco Habitasul)

2007 – Eu odeio o Orkut (romance, Ed. Alcance, Besouro Box)

2008 – Arrependimento Mata (romance, Ed. Besouro Box)

2016 – Game Over – Quem ta solteiro quer casar, quem ta casado quer morrer (romance, Ed. Besouro Box/lançamento em ago



REPORTAGENS SOBRE O CINEASTA, veja nestes links:

http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2015/06/filme-rodado-em-alvorada-tem-estrela-global-no-elenco-4775317.html

http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2015/08/07/com-ricardo-macchi-como-tinder-filme-critica-confusao-entre-real-e-virtual.htm

http://cinebrasil.tv/index.php/filmes-de-evandro-berlesi

http://www.jornalasemana.net/noticias/cultura/evandro_berlesi_lanca_seu_terceiro_livro/3772





PARA SABER MAIS SOBRE EVANDRO BERLESI, assista:































ASSISTA NA ÍNTEGRA O LONGA-METRAGEM "EU ODEIO O ORKUT":



EVANDRO BERLESI TAMBÉM É APRESENTADOR DO PROGRAMA "SAPORRA":













O MANÍACO DO FACEBOOK - Filme completo: