domingo, 31 de dezembro de 2017

DAVID CARDOSO POR ELE MESMO

                                                                                       
 

  Ator, músico, produtor e cineasta, não necessariamente nessa ordem, David Cardoso foi o protagonista de muitas histórias. Muito antes de ser o protagonista dos filmes que atuou ou dirigiu, independente das crises que nosso país atravessou, entre elas, a crise de identidade, revelou-se uma espécie de Highlander caboclo. Lastimavelmente vivemos em um país subdesenvolvido. Nunca o povo subestimou tanto sua própria história quanto em nosso passado recente, preferindo, assim, consagrar as produções estrangeiras ao invés do cinema nacional. Apesar da desvantagem financeira de competir com produções milionárias, David Cardoso, nos anos 1970, chegou a ser uma das maiores bilheterias da história, desbancando muitos blockbusters. "Amadas e Violentadas" tornou-se o filme mais lucrativo do ano de seu lançamento (leia-se 1976). A receita? Suor, trabalho e perseverança. O paradoxo? Parte da população não era assim tão contra o cinema brasileiro (mesmo as pornochanchadas) ou então não teria comparecido em peso nos cinemas. Lembrando, também, de outro cineasta, Bruno Barreto, com "Dona Flor e seus Dois Maridos", alcançou a marca de seis milhões de espectadores. Quanto ao intrépido David Cardoso, eu diria que ninguém melhor que ele para nos repassar, através de suas memórias, tudo o que aconteceu com sua carreira, mesmo que de forma sintética. Afinal, a velocidade das ações da Era Digital torna o tempo do entrevistado muito curto, mas nem por isso culturalmente irrelevante. Mesmo assim, com tanta gama de opções em outros sites de entretenimento, o leitor encontrará, nesta entrevista exclusiva, muitas peculiaridades pertinentes, porque, o objetivo principal da "Bíblia do Cinema" é documentar as grandes personalidades históricas da Sétima Arte.
  Com vocês, sem maiores enrolações, o nosso ilustre entrevistado deste mês, abrindo o seu coração e mente aos cinéfilos que lhe prestigiam oportunamente. Como sempre coloco aqui perguntas e respostas num formato de roteiro de cinema.
  Luz, câmera, ação!


                                 

                     




                                                                A ENTREVISTA



EMERSON LINKS

Naturalmente, vamos começar falando da sua carreira antes de idealizar o primeiro longa-metragem do seu currículo como ator. Você sempre quis realizar esse tipo de trabalho em cinema ou tinha em mente se aprimorar em outro segmento?

DAVID CARDOSO

Sempre o cinema. Eu me espelhava nos filmes e atores americanos. Poucos nacionais. Meu sonho era vencer nos Estados Unidos. Infelizmente não deu, embora alguns filmes meus por lá foram exibidos.

EMERSON LINKS

Quais são suas maiores lembranças sobre a história do cinema? (não necessariamente suas influências).

DAVID CARDOSO

Pra você ter uma ideia, o filme "Mogambo", eu vi 26 vezes numa única semana no Cine Metro, na Avenida São João, em São Paulo.

EMERSON LINKS

Quais são suas influências no cinema, tais como gênero de filme, atores e diretores?

DAVID CARDOSO

Meu gênero preferido é o western. Os melhores: "Matar ou Morrer", "Os Brutos Também Amam", "Meu Ódio Será a Sua Herança", "Rastros de Ódio" e mais uma infinidade.

EMERSON LINKS

Você já pensou em seguir a carreira artística, mesmo em esferas diferentes, do tipo "vou me experimentar como músico" ou mesmo algo do nível de um jornalista inserido no circuito cultural?

DAVID CARDOSO

Sou músico (acordeon). Fiz quatro anos de conservatório. Trabalhei durante um ano na Folha de São Paulo. De vez enquando toco tangos e chamamês.

David no esplendor da juventude.



EMERSON LINKS

Você poderia nos contar como foram os seus primeiros passos na carreira, antes de se consagrar comercialmente? (Exemplo: Antes dele se consagrar participou de películas como "O Lamparina" (1963) e "Noite Vazia", "Vidas Estranhas" e "Meu Japão Brasileiro" (1964).

DAVID CARDOSO

Trabalhava na Folha fazendo pesquisa de mercado e dividindo um PF com um colega, Fernando Peludo. Ele me disse que conhecia o Mazzaropi. Quase desmaiei. Fez um bilhete que tenho até hoje me apresentando ao humorista. Abandonei os estudos de cursinho de Direito. Mais tarde, estudei até o terceiro ano e em cinco dias estava na fazenda de Santa, em Taubaté, para o início das filmagens de "O Lamparina". Saudades!



EMERSON LINKS

Você atuou em "Corpo Ardente" (1966) e "Férias no Sul" (1967). Estes filmes despretensiosos que entretinham a população sem a apelação televisiva de hoje, reforçavam a imagem de galã que você desfrutaria ou meramente foi um momento de construção de perfil estético de trabalho?

DAVID CARDOSO

Trabalhava por trabalhar, queria aprender de tudo. Parte técnica, artística, sem nunca reclamar de nada. Era jovem. Dormia em qualquer lugar, comia o que me fosse ofertado. E tentava economizar para comprar o meu primeiro apartamento em São Paulo.



EMERSON LINKS

Bom, como todos sabem (ao menos os mais chegados), estou realizando, também, A BÍBLIA DO ROCK, projeto no qual entrevistei nada menos que 1.982 artistas, produtores, jornalistas e bandas. Nada mais natural eu perguntar a você, agora para a BÍBLIA DO CINEMA (este meu outro projeto em curso), qual foi sua sensação de encarnar um vilão em "Agnaldo Perigo à Vista" (1969) e também de fazer parte do longa-metragem "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura", que tinha toda uma trilha sonora de sucessos e que marcou a jovem guarda no cinema?

DAVID CARDOSO

Fiz "Roberto Carlos a 300 Km por Hora". Era o produtor executivo (diretor de produção). Nunca escolhi papéis. Meu negócio era participar daquilo que eu mais amava: fazer cinema. Qualquer coisa estava de bom tamanho pra mim.





EMERSON LINKS

Quais foram suas experiências nos bastidores desta época, onde ídolos genuínos ocupavam o lugar que hoje são ocupados por estrelas fabricadas sem qualquer pingo de talento vocal? Imagine só. Você esteve num filme de Roberto Carlos, viveu intensamente os anos dourados do rock e de um momento de radicalização política e cultural. Em contrapartida tinha que tolerar a rivalidade de artistas e intelectuais de esquerda X astros de direita (ou ícones apolíticos). Em resumo, que memórias você tem desse período que possivelmente não irá se repetir na história do cinema?

DAVID CARDOSO

Fiz três vezes o Programa do Jô Soares. No último, nos anos 1990, disse que com relação ao cinema, tinha saudades do regime militar. E olha que fui um dos mais prejudicados. Corte de mais de dez minutos em cada produção. Mas os filmes foram exibidos. Existia Lei de Obrigatoriedade. Nos tempos atuais a inversão de valores é muito grande. O cinema acabou a não ser para os premiados com a Leis de Incentivo. Cambada de aproveitadores. Parabens, Mazzaropi, Anselmo Duarte, Zé do Caixão, David Cardoso. Isso aqui acabou.



EMERSON LINKS

Ainda falando sobre esse período efervescente da nossa cultura, a telenovela brasileira engatinhava. Você estreou em "O Grande Segredo" (1967). Como surgiu o convite para esse trabalho?

DAVID CARDOSO

Fui tentar TV. Participação pequena, mas que me fez um pouco mais notado. Fiz oito novelas. Sendo quatro como galã. Mas o cinema estava e está em 1º lugar. Como dizia Chico Anísio: "Cinema não se faz com Bolivares, guaranis ou reais, cinema se faz com dólares".

EMERSON LINKS

Enfim, você finalmente viveu um primeiro grande papel em uma obra literária como foi o longa-metragem "A Moreninha" (1970), recentemente lançado em DVD e Blu-ray. Como você foi escolhido para estrelar esse trabalho? Os atores da época eram realmente escolhidos a dedo por serem "bons" ou existiam outros pré-requisitos no processo de escolha?

DAVID CARDOSO

Esse filme me consagrou. Sucesso no Brasil todo e parte do mundo. Glauco Laurelli (diretor) e seu sócio, Luiz Sérgio Person, sentiram que eu tinha o perfil. Não foi fácil. Sou Jacu, halterofilista. Passei dois meses ensaiando com a Jura Otero e Sonia Braga. Parece que o resultado foi satisfatório. No outro ano, participei de quatro filmes. Parecia que eu estava consagrado.



EMERSON LINKS

Como foi a sua experiência na comedia "Os Maridos Traem... As Mulheres Subtraem"?

DAVID CARDOSO

Divertidíssima, ótima equipe artística e técnica. Comedia é sempre bom fazer. O ambiente era dos melhores. Grande Massaini.

EMERSON LINKS

Você trabalhou também com grandes comediantes como Dercy Gonçalves, Grande Otelo, Zilda Cardoso e Dedé Santana em "Se Meu Dólar Falasse" (1970). Qual foi a sensação de fazer parte disto? Você já tinha consciência de estar trabalhando em algo que seria reconhecido como clássico no futuro?

DAVID CARDOSO

Não imaginava isso. A sensação de estar com esses monstros sagrados era importante pra minha carreira. Ficava atento a tudo até porque fazia parte da produção. Carlos Coimbra, grande artesão, não tinha pulso para controlar alguns atores indisciplinados. O filme fez relativo sucesso.



EMERSON LINKS

No ano seguinte, você atuou em "A Herança". Comente sua participação nesta produção.

DAVID CARDOSO

Ozualdo Candeias, talvez tenha sido o mais intuitivo diretor com quem trabalhei em vários filmes. Era tudo mais fácil. Não havia dinheiro. Pedia-se tudo, de tudo pra todos. Empréstimos de carros, comida, refrigerante, etc. Uma loucura, mas tudo feito com muito amor, retidão, dedicação. Experiência inesquecível.

EMERSON LINKS

Ainda em 1971, você foi ator do filme "Quando as Mulheres Paqueram", onde a atriz Dilma Lóes, nossa entrevistada de meses atrás, marcou presença, dividindo cenas com a não menos bela Sandra Barsotti. Essa comedia tinha uma temática, no meu entender, avançada para a época, uma vez que a sociedade era machista e as mulheres tinham menos conquistas que hoje. Quais foram suas impressões sobre esse trabalho?

DAVID CARDOSO

Grandes profissionais. Não havia estrelismo. Era amor ao cinema. Muito respeito. Apaixonei-me por Sandra. Linda, ótima atriz. Uma graça. Um dos poucos filmes que fiz no Rio.



EMERSON LINKS

Em 1972, você fez "Corrida Em busca do Amor". Comente esse filme, se possível, uma vez que as comedias românticas passaram a serem taxadas de pornochanchadas, um rótulo incomodo (para alguns realizadores) e que se prolongaria por décadas. Qual visão você tinha deste trabalho na época?

DAVID CARDOSO

Fui o galã dessa aventura, comedia rodada nos arredores de São Paulo. Fiquei amigo do Carlão Reinchenbach. Bebíamos e nos divertíamos muito. Também com os outros cantores e humoristas.

EMERSON LINKS

Em "Caiangangue, A Portaria do Diabo", você teve a oportunidade de trabalhar em um faroeste, o que era incomum para a época. Como foi ser dirigido por um grande profissional como Carlos Hugo Christensen e também dividir cena com o emblemático ator Sérgio Britto?

DAVID CARDOSO

Foi um dos filmes mais difíceis em todos os sentidos de que participei. Eu era o diretor de produção e ator principal. Na minha cidade Maracaju - MT (agora MS) não tinha luz, asfalto, telefone, nada. Só a estrada de ferro NOB. Carlos foi um dos mais importantes diretores, tanto na Argentina como no Brasil. Filmes esteticamente perfeitos. Orgulho-me em afirmar que Caingangue foi o maior faroeste já produzido na América do Sul. Elenco afinadíssimo. Anselmo Duarte elogiava a produção todas as vezes que me encontrava. Infelizmente, essa produção de Roberto Farias não foi sucesso, embora os críticos na época deram nota máxima. Sérgio Britto tem uma performance inesquecível. Cenas de batalha (sem tecnologia) nunca feitas. Uma obra prima.

EMERSON LINKS

No longa "Caçada Sangrenta", você viveu outro momento onde a aventura humana predominou? Quais são suas principais memórias sobre esse momento?

DAVID CARDOSO

Contratei o Ozualdo Candeias para dirigir essa minha primeira produção para a DaCar (David Cardoso) no meu estado MT (1974) percorremos oito cidades, cerca de 5 mil km. Uma aventura. Hoje cultuada. Firmei-me como produtor.



EMERSON LINKS

De repente, surgiu o filme "A Ilha do Desejo" (1974) e que possivelmente reforçou o que a crítica ou determinados formadores de opinião chamavam de pornochanchada. Isso te incomodava? Era relevante ter reconhecimento de outra forma, digamos artisticamente, ou isso era mera consequência?

DAVID CARDOSO

Nunca me importei com crítica de qualquer espécie. "A Ilha" foi um acontecimento. Lancei o diretor Jean Garret. Artesão competente e criativo. Fez o roteiro com o meu mentor Ody Fraga. Depois de sua morte eu praticamente parei. Sucesso absoluto. As filas no Cine Marabá (SP) viravam a esquina São João. Em três meses de exibição, o filme já estava pago.

EMERSON LINKS

Em "Sedução" (1974), você dividiu cena com os grandes atores Ney Latorraca e Dionísio Azevedo, além da atriz Sandra Brea, que despontava para os holofotes. Como era o cinema de Fauzi Mansur? O que te atraiu neste projeto?

DAVID CARDOSO

Está entre os cinco melhores filmes que fiz nestes 53 anos de carreira (80 produções: longas, curtas, médias, documentários, filmes institucionais, etc - 34 da minha produtora. Fauzi Mansur, o diretor, acertou em cheio. "Sedução" foi premiado em vários festivais. Eu me torne galã mais cobiçado do Brasil. Isso por mais de 15 anos. Honestamente. Recusei vários papéis. Muitas vezes por estar estrelando uma novela. Participei de oito.



EMERSON LINKS

Segundo informações oficiais, "Amadas e Violentadas" (1976), foi uma das dez maiores bilheterias entre os filmes nacionais do ano de seu lançamento. Quais foram os ingredientes desta película responsáveis por sua popularidade? Foram as atrizes em destaque, o roteiro ou o contexto oferecido como alternativa de entretenimento momentâneo?

DAVID CARDOSO

Primeiro o roteiro caprichado de Ody Fraga. Produção nível "A". Ótimos atores. Estória convincente. Ótima direção de Jean Garret. Superou-se. Meus sócios José Ermirio de Moraes Filho, Gilberto Adrien, Sergio Mellão, Guilherme Mellão ficaram satisfeitos. Eu não parava de trabalhar.



EMERSON LINKS

Reza a lenda que muitas atrizes de sucesso ou mesmo fenômenos fugazes foram lançadas por você como diretor ou mesmo na fase quando ainda era ator influente. Você se sentiu gratificado nesse sentido? Exemplos: Vera Fischer, Sandra Brea, Fernanda de Jesus, Helena Ramos, Zélia Diniz, Márcia Real, Marlene França, Zaira Bueno, Zilda Mayo, Nicole Puzzi, Patricia Scalvi, Matilde Mastrangi.

DAVID CARDOSO

A maioria eu lancei. Outras indiquei para diretores e produtores. Ótimas profissionais. Todas. Chegavam no horário sempre colaborando no projeto. Não havia reclamação. A maioria injustiçadas. Coisas  de Brasil. Agradeço de coração a essas amigas pela ajuda.



EMERSON LINKS

Em "Possuída pelo Pecado" (1976), além de trabalhar com belas atrizes, você voltou a dividir cena com o cantor Agnaldo Rayol. Essa retomada foi casual ou foi um tributo por você ter sido vilão em um filme de sucesso dele?

DAVID CARDOSO

Agnaldo Rayol, grande amigo, padrinho de meu filho James, ator de primeira e um dos maiores cantores deste Brasil, sempre me apoiou e ajudou. Devo muito a ele. Colaborou na produção cedendo sua bela mansão para várias sequencias.

EMERSON LINKS

Daí, veio finalmente seu primeiro filme como diretor, "Dezenove Mulheres e Um Homem" (1977). A quem você creditava tal oportunidade de operar em outra função, além de ser ator?

DAVID CARDOSO

Tomei coragem e fiz o filme que mais me rendeu financeiramente pois não tinha sócios. Fiz o argumento, Ody roteirizou, selecionei elenco e equipe técnica e novamente filmei no meu estado MS. Até agora fiz sete filmes de longa-metragem e média por aqui. Sofri muito. Era o ator principal, produtor e diretor com mais de quarenta pessoas em volta. Com o sucesso, dois meses em cartaz no centro de São Paulo, comprei outro avião (sou piloto) fazenda no pantanal e diversos imóveis.



EMERSON LINKS

Você voltou a dirigir em "Bandido, Fúria do Sexo" (1978). Como foi esse trabalho? Qual foi a repercussão?

DAVID CARDOSO

Fiz às pressas. Em 20 dias. Não aconteceu. Coisas da Sétima Arte.






EMERSON LINKS

Em 1979, você teve um regresso a TV após um longo hiato. Como foi a sua participação na novela "Cara a Cara", da TV Band?

DAVID CARDOSO

Sucesso absoluto. Boa direção e um elenco sem precedentes. Era o galã. Mais Fernanda Montenegro, Fulvio Stefanini, Luiz Gustavo, Débora Duarte, Antonio Marcos e vários outros talentos. Dez meses no ar. Sucesso na Itália.

David Cardoso e Débora Duarte na novela.



EMERSON LINKS

Você logo voltou (novamente) em um filme literário, "O Guarani" (1979), mas apenas como ator, deixando o roteio a cargo de Ody Fraga e a direção nas mãos de Fauzi Mansur. O que você achava desse filme na época e como acredita que ele repercute nos tempos atuais?

DAVID CARDOSO

Infelizmente não foi sucesso. Produção caprichada, mas não caiu no gosto popular. Talvez precisasse ser revisto. Difícil realização. Problemática.

O longa produzido antes de Norma Benguell.



EMERSON LINKS

"A Noite das Taras" (1980) foi outro filme dirigido por você e que lançou a então bela Matilde Mastrangi. Quais foram suas impressões sobre este filme?

DAVID CARDOSO

Não foi o lançamento da Matilde mas seguramente o que a fez conhecida em todo o Brasil. Bati todos os recordes naquele ano. O filme ficou 8 semanas em cartaz no Cine Marabá, no centro de São Paulo. "O Poderoso Chefão" ficou 4.



EMERSON LINKS

Um novo momento para você foi o de ser o protagonista da novela "O Homem Proibido", lançada pela Rede Globo em 1982. Você se recorda deste trabalho que afirmavam ter vínculo com sua imagem no cinema? Que comentários você poderia tecer à respeito?

DAVID CARDOSO

Essa novela foi sucesso na Itália. Tenho todos os capítulos. Foi interditada pela censura na estréia. Numa determinada sequencia eu tirava a camisa. Foram a Brasília e tudo se resolveu. Quanta hipocrisia neste país. Neste ano fiz 29 bailes de debutantes pelo Brasil.



EMERSON LINKS

Você já pensou em se associar a outros talentos, produzindo histórias, projetos promissores ou pretende parar por aí?

DAVID CARDOSO

Como produtor parei completamente. O último foi "Sem Defesa", em 2015. Mas estou aberto a novos projetos.



EMERSON LINKS

Foi uma surpresa para parte do público saber que no resto do país, conforme aponta a matéria de abril deste ano no blog sobre as variadas produções independentes que não recorreram a Lei Rouanet e editais. Surpresa, pergunto, na questão de os temas serem ricos e urgentes, afinal, diferentemente do que acontece no mainstream só temos a opção (ultimamente) de assistir filmes com comediantes de stand up (Paulo Gustavo, Leandro Hassum e congeneres), atores da Globo protagonizando dramas sobre casais que são fracassados no amor ou mesmo fórmulas demasiadamente desgastadas. Ninguém quer inovar?

DAVID CARDOSO

Quase tudo lançado pela Globo vira sucesso, inclusive com relação à música. Se me levarem para eu apresentar um jornal diário com certeza seria sucesso. Manda no país.

EMERSON LINKS

Você pretende assistir essas produções independentes citadas no blog A BÍBLIA DO CINEMA, como é o caso do longa O DIÁRIO DE UM EXORCISTA, de Renato Siqueira, que assim como você é ator, produtor e diretor ao mesmo tempo? Ou como Evandro Berlesi, do Rio Grande do Sul, que criou o grupo de cinema Alvoroço? Ou mesmo Dimas Oliveira Junior, através da Oficina Rosina Pagan, que realiza filmes fora do circuito oficial? (Tenho observado ao entrevistar todos os diretores, aqui, que não há união - quando deveria haver. Não há intercâmbio - quando o certo seria isso (video reportagens anteriores do meu blog). Obs. O próprio entrevistador é cineasta e está tocando projetos como os já mencionados A BÍBLIA DO CINEMA, A BÍBLIA DO ROCK e O AMOR NOS TEMPOS DA INTERNET. Todos estes livros e longas-metragens devidamente registrados no EDA e que estão em curso de pré-produção. Enfim, você pretende assistir os citados, para se atualizar a nova realidade e passar um pouco da sua experiência através de parcerias de diferentes gerações?

DAVID CARDOSO

Não tenho interesse. A tecnologia me atropelou. Sou piloto de aeronave e não sei colocar horas num relógio digital. Não tenho celular e este meu aparelho está péssimo. Mas estou à disposição para interagir com a moçada, ensinando e aprendendo com os mesmos.



EMERSON LINKS

Sobre a polêmica em torno da extinção do Ministério da Cultura e CPI da Lei Rouanet, o que você teria a declarar momentaneamente?

DAVID CARDOSO

Assim como a Embrafilme foi extinta para desespero de alguns produtores, diretores, ladrões do dinheiro público, deveriam fechar tudo, ressuscitar Mazzaropi ou Anselmo Duarte para dirigir um órgão honesto para lançamento de novos valores. O modelo vigente não serve, ou melhor, serve para aqueles que não prestam contas.

EMERSON LINKS

Fale um pouco de seu trabalho no dia a dia, como sobrevive no mercado e planos para o futuro.

DAVID CARDOSO

Tenho vários projetos prontos. Se existir algum maluco produtor interessado, tudo bem. Viajo por todo Brasil interagindo com novos interessados na Sétima Arte e também exibindo meus três últimos filmes. Não tenho parado na minha área pantaneira. Passo quando muito três dias.

Em tempo de campanha política.


EMERSON LINKS

Quais são suas influências como diretor?

DAVID CARDOSO

Não tenho conhecimento. Sou apenas um homem que participou de 80 produções (longas, médias, curtas e documentários, filmes institucionais), 34 da minha produtora DaCar, sem ajuda de leis de incentivo. Sou um bobão. Nunca sofri processo trabalhista por técnicos ou atores. São 53 anos de carreira. Cansei.



EMERSON LINKS

Cite um ou mais injustiçados do cinema brasileiro.

DAVID CARDOSO

Anselmo Duarte, Mazzaropi e David Cardoso.

EMERSON LINKS

Que conselho você daria a um profissional que esteja, agora, iniciando um projeto de cinema, hoje, baseando-se na sua experiência e exemplo como profissional da classe?

DAVID CARDOSO

Não desanime. O sonho nunca acaba. O problema é que, na maioria das vezes, você conclui seu filme e ninguém vai exibi-lo. Se o dinheiro foi seu, paciência. Não há mais leis de proteção como na época do regime militar. Reúna a família, amigos, cineclubes, etc e mostre seu trabalho. Esse nunca vai lhe trair.



EMERSON LINKS

Revele qual pergunta gostaria que lhe fizesse numa entrevista e que ainda não foi feita, até então. Coloque tal pergunta e possível resposta.

DAVID CARDOSO

"Como você gostaria de morrer?" Reposta: "Aos 100 anos tentando transar com uma garota de 18 e sendo assassinado pelo namorado, amante, marido, etc, não dando chance de defesa. Seria a gloria. Na realidade, acredito que dependendo do meu estado de saúde vou repetir o gesto de Hemingway, Getúlio Vargas, Walmor Chagas, sem arrependimento algum. Tive e tenho uma vida repleta das mais variadas emoções.



           





David conferindo a película.

Ao lado do consagrado ator Robert De Niro.


Poster em revista de novelas.


Em 1985, David abordando o temível tema. 


Declaração em tom de desabafo.



FILMOGRAFIA, SEGUNDO O WIKIPEDIA:

Trabalhos como ator de cinema

Trabalhos como ator de TV

Trabalhos como diretor






PARA SABER MAIS SOBRE DAVID CARDOSO, ASSISTA NO YOU TUBE:

Filme: " O Lamparina".

 
Filme: "Noite Vazia" (1964).



Filme: "Férias no Sul" (1967)


Filme: "Agnaldo Perigo à Vista". (1969)

 
Filme: "A Moreninha". (1970).


Filme: "Quando as Mulheres Paqueram" (1971).



Filme: "Caçada Sangrenta" (1973). Creditado no you tube como filme lançado em 1974.

                                          Filme: "Amadas e Violentadas". (1976). Apesar de estar creditado acima como produção de 1975.


Filme: "Corpo Devasso". (1982).



Filme: "Mulher Tentação". (1982)



Filme; "As Seis Mulheres de Adão". (1982).






sábado, 25 de novembro de 2017

PAUL NEWMAN - UM ATOR CLÁSSICO E REBELDE.



  A persona em questão era dona de um porte físico esplendido e um ar de gozador apoiado por límpidos olhos azuis. Mesmo na época em que completava 70 anos de idade, ele, como ator, era mais ativo do que nunca. Na década de 1950, muitos o comparavam  a Marlon Brando. Quando atravessou quatro décadas de ofício, a crítica se rendeu, o público ampliou a idolatria (principalmente o feminino) e o próprio astro descobriu que tinha luz própria.
  Nos anos 1990, Paul Newman causava inveja a Marlon Brando que até então se considerava (e era considerado) a maior aquisição do cinema da segunda metade do século XX. La Newman, na última década do século XX, já podia gozar do status de lenda viva. Sua atuação em "O Indomável", lançado em 1995, embora não tenha levado a estatueta do Oscar para casa, foi aplaudida em todo o mundo. Porém temendo perder a coroa, o então infalível e também lenda viva Marlon Brando decidiu, nesta época, que, mesmo ultrapassando os 70 anos de idade, era hora de voltar às telas. Brando não hesitou em trabalhar ao lado de um recém descoberto jovem talento, Johnny Depp que, em algumas atitudes rebeldes em nível reciclável, lembrava James Dean. Este, por sua vez, era antigo rival de Brando e Newman, mas infelizmente teve carreia interrompida ao morrer em um acidente automobilístico em 30 de setembro de 1955. O curioso de tudo isso é que foi justamente com o falecimento de James Dean que as oportunidades se abriram diretamente para Paul Newman que, até esse momento, tinha apenas amargado fracassos como sua estreia em "O Cálice Sagrado / The Silver Chavice", lançado em 1954. Pior, Newman colecionava derrotas nos testes de elenco. Ele havia perdido o papel principal de "Vidas Amargas / East of Éden" (1955) para o já mencionado James Dean, porém, por ironia do destino, ocupou o lugar do ídolo morto em "Marcado Pela Sarjeta" / Somebody Up There Likes Me" (1956), um filme dirigido por Robert Wise. Dean estava contratado para interpretar o lutador de boxe Rocky Graziano tão logo encerassem as filmagens de "Assim Caminha a Humanidade / Giants (1956). No entanto, a morte prematura de James Dean, aos 24 anos, tinha deixado um vazio a todos que apreciavam o seu estilo de interpretação rebelde e juvenil, afinal... Marlon Brando era o selvagem, porém - "adulto", Montgomery Clift já passava dos 35 anos e, portanto, caberia ao então jovem Paul Newman a tarefa de perpetuar o novo estilo jovem de ser e de interpretar no cinema. Ele tinha 27 anos quando deu as caras em Nova York, vindo de Yale, em companhia da esposa Jackie (ou Jacqueline Witte, que estava casada  com ele desde 1949) e do filho pequeno (Alan Scott Newman). O Actors Studio vivia sua época de ouro e era passagem obrigatória para todos os atores que queriam ser respeitados pela crítica. Nessa escola de Arte Dramática os professores ensinavam "O Metódo" (inspirado em Stanislavsky) em cursos  doutrinados por mestres como Elia Kazan e Lee Strasberg.  E Paul Newman aproveitou muito desde quando se tornou um dos escolhidos. Por essa escola, passaram figuras que se consagrariam em Hollywood: Rod Steiger, Julie Harris, Geraldine Page, Warren Beatty, Shelley Winters, Eli Wallach, Maureen Stapleton... Quanto a James Dean, Marlon Brando e Montgomery Clift... Bem, estes já haviam se consagrado. Anos depois, Newman confessaria que, como ator, devia tudo ao Actor's Studios e a paciência de Lee Strasberg.
  É de conhecimento público público que o artista norte-americano mais desejado, nas décadas de 1950 e 1960, se interessou por teatro para fugir dos negócios da família. Ser ator era uma feliz alternativa para um modo de vida que não significava nada para sua esposa. Sua chaga a Nova York se deu por causa da venda da loja do seu pai, pois o velho havia morrido. O jovem Paul Newman ignorou o diploma de economia e após ter ingressado na Companhia Teatral de William Bay (Winsconsin), juntando-se aos Woodstock Players, e participando de mais de dezesseis peças, no momento, o negócio era mesmo tentar a televisão. Sua boa aparência e seus bons contatos resultaram num papel na novela "The Aldrich Family".  A atuação segura e voz bem modulada chamou a atenção dos executivos do mundo do cinema. Tinha algo especial nele. Era o que viam, de imediato.
  Em 1953, durante os ensaios e representações da peça teatral "Pic Nic", que teria um sucesso extraordinário de crítica e de público e ainda abocanharia o prêmio Pulitzer, Paul Newman conheceu a atriz estreante Joanne Woodward (nascida em 1930). O envolvimento entre os dois jovens aspirantes ao estrelato logo se transformaria numa profunda amizade - e, mais adiante, num affair que resultaria num sólido compromisso.  Com o prestígio obtido pela peça "Pic Nic", a Warner lhe propôs 1 mil dólares por semana para estrear no cinema. Sua estreia, em "O Cálice Sagrado / The Silver Chavice" (1954), ao lado de Pier Angeli seria desastrosa, já comentada no início deste texto. Newman acusou que tal projeto se tratava do pior filme feito na década de 1950. O fracasso comercial o traria de volta aos palcos de teatro, mas o contrato - um tanto a contragosto - de estrelar dois filmes por ano continuaria valendo. De volta a Hollywood, seu novo filme "Deis é Meu Juiz / The Rack" (1956) , acabaria suspenso pelo próprio estúdio, somente com o êxito de "Marcado pela Sarjeta" / Sarjeta Somebody Up There Me", o lançamento seria aprovado. Para entrar na pele do personagem Rocky Graziano  aprendeu a lutar boxe com vários profissionais, além de conviver duas semanas com o próprio biografado. Com o personagem do filme sua popularidade aumentou e a crítica  creditou-lhe o respeito definitivo. Nessa época, Paul Newman já era pai de três filhos: Scott, Susan e Stephanie. O seu casamento não ia bem e sua atenção por Joanne Woodward estava num nível incontrolável (mas ainda contando com sua descrição). A questão era dúbia, pois o astro tinha que ser só "um" para duas mulheres: Preservar o casamento ao qual queria ser fiel e se aproximar cada vez mais da jovem pela qual se sentia destinado a ficar para sempre. Foi nas filmagens de "O Mercador de Almas / The Long, Hot Summer" (1958) que Paul Newman e Joanne Woodward assumiram por final seus desejos amorosos para se casarem em Las Vegas, em 1958. Iniciava-se uma época dourada para a vida de ambos. Joanne tinha ganho, em 1957, o Oscar de Melhor Atriz por seu desempenho em "As Três Faces de Eva / Three Faces of Eve". Já "O Mercador de Almas / The Long, Hot Summer" daria a Newman o Prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes em 1958. Pela primeira vez na história, um ator americano se banharia com a Palma de Ouro. A revista Time definiu a atuação de Paul Newman como algo que não ficava nada a dever ao monstro sagrado Orson Welles, co-astro do filme. Daqui para frente, Sir Newman e esposa fariam parceria em várias produções e seriam comparados ao casal Spencer Tracy & Katherine Hepburn.



  Sua interpretação em "Gata em Teto de Zinco Quente / Cat on a Hot Tin Roof " (1958), de Richard Brooks, daria início a primeira de suas sete indicações para o Oscar. Somente três décadas depois, Newman, já na terceira idade, receberia seu primeiro prêmio e, provavelmente, último troféu, por "A Cor do Dinheiro / The Color of Money" (1986), continuação de "Desafio à Corrupção / The Hustler (1961), onde fora jovem astro. Na tal continuação, ele dividia o estrelato com o então mega astro Tom Cruise. Como se sabe, em 1995, Tom Hanks lhe tirou a chance de ser pela segunda vez o Melhor Ator da Academia deste ano.
  Recuando para 1972, quando Marlon Brando recusou o segundo Oscar mandando uma índia fake (na verdade, uma atriz profissional) na noite de cerimônias. Quando ganhou o seu prêmio em 1986, Paul Newman simplesmente ficou em casa. Mas o cacife de astro permaneceria sempre elevado. Tinha qualidade que era inabalável tal como um selo de garantia. Bastava o nome de Paul Newman constar nos cartazes de cinema para as filas aumentarem ao redor do quadra. Essa era a sua situação  no final dos anos 1950. Comédias românticas eram o seu forte seja em "A Delícia de Um Dilema / Rallys Round the Flag Boys" (1958) ou em "O Doce Passaro da Juventude" / Sweet Bird of Youth" (1962), ou mesmo em thrillers do naipe de "Happer, O Caçador de Aventuras / Happer, The Moving Target" (1966), e "Cortina Rasgada / Torn Curtain" (lançado no mesmo ano). Vale lembrar que este último foi dirigido por Alfred Hitchcock, o Rei do Suspense. Antes, em "O Indomado / Hud" (1963), de Martin Hitt, sua dedicação foi considerada "integral".


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domingo, 29 de outubro de 2017

MORTE DO CINEASTA CLAUDIO MACDOWELL NÃO NOTICIADA NA MÍDIA É PURO SINAL DE DESCASO DO JORNALISMO BRASILEIRO



Texto: Emerson Links.


  Eu queria me referir a isso como um fato ocorrido há trinta anos no cinema nacional, tempos em que a comunicação não era interativa e o grande público sequer imaginava que um dia frequentaria redes sociais. Devido a inexistência da internet as notícias de morte de artistas e personalidades públicas chegavam mais rápidas somente pela TV e pelo rádio, caso contrário era necessário aguardar algum tablóide ou revista no dia seguinte. O que me surpreende é que, mesmo nesses tempos de limitações no campo da interatividade, sempre saía alguma nota de rodapé sobre um profissional falecido, uma vez que determinado jornalista não achasse oportuno publicar uma matéria. Hoje, vivemos uma revolução digital que, embora seja discutível em alguns níveis, qualquer cidadão tem acesso a informação sobre outro cidadão em questão de segundos bastando consultar o google. Não precisa ser um artista do mainstream, muitas vezes um alfaiate de clube de futebol de bairro possui até um blog ou diário eletrônico, onde aqui e ali vai registrando suas ações e realizações locais. Portanto, tendo em vista isso, como posso crer que jornais, revistas e sites não noticiaram a morte de um diretor de cinema como Claudio MacDowell? Se outras personalidades irrelevantes já ganharam até uma nota em obituário virtual de seu município por que, desta vez, tal persona não mereceu sequer um registro de falecimento no Wikipedia?

RESPOSTAS

1) Simplesmente porque ainda vivemos num país subdesenvolvido, que durante a primeira década do século XXI, vendeu uma imagem de que os setores culturais e meios de comunicação haviam evoluído a um nível de Primeiro Mundo. Aparentemente artistas injustiçados, celebridades instantâneas e personalidades clássicas da vida pública passaram a ganhar vozes de grande projeção, através de documentários exibidos no Canal Brasil (na TV Paga) ou em sites fomentados por leis de incentivo ou colaboradores da iniciativa privada. Mas apenas aparentemente, porque, hoje, sabemos que muitas personalidades ficaram de fora do grande campo de pesquisa biográfico e que o público continua culturalmente alienado e pouco interessado naquilo que não o coloque numa posição de protagonista. A partir do momento que um cidadão comum passa a se sentir inserido num campo de atenção de alta visibilidade, o mesmo passa a ocupar o mesmo espaço (ilusório) de uma personalidade pública. Na maioria das vezes, o ego inflado de uma nulidade ganha voz e mesmo um cidadão comum e sensato, de acordo com o seu histórico, ganha certo destaque em blogs ou no you tube. Se existisse a internet que temos hoje, há uns trinta anos atrás certamente haveria um filtro maior - em outrora, quem quisesse se tornar artista ou celebridade era necessário assimilar os fundamentos da meritocracia. O oceano o qual internautas dividem o mesmo espaço na segunda década do século XXI contribui para uma perigosa usina de egos, onde arriscamos presenciar, no futuro, a substituição de valores culturais por valores historicamente fúteis e irrelevantes. Na realidade isso já está acontecendo de forma passiva. Quantas vezes não vimos um usuário posar de celebridade em um mero perfil de facebook? A forma ativa virá. Eu explico. Quando a internet evoluir para a tecnologia visual de nível avançado, quando os óculos de realidade virtual se tornar popular e oferecer um universo paralelo criado segundo imagem e semelhança do seu autor, o mundo verá o fim do conceito de sociedade que atualmente conhecemos. A intolerância no que concerne PERSONALIDADES x CIDADÃOS atingirá níveis extremos. A morte do "artista popular" se dará pela própria indiferença deste público egocêntrico que, mesmo agora, já começa a posar de celebridade instantânea nas redes sociais;

2) Pela própria irrelevância comercial do cineasta, Claudio MacDowell, em um país de Terceiro Mundo, que ainda continua consumindo mais produções internacionais nos cinemas e plataformas digitais. Se considerarmos que somos 200 milhões de brasileiros (ou mais) e que um filme de bilheteria não ultrapassa, normalmente, a casa dos 5 milhões de ingressos vendidos, pode-se dizer que o percentual de público prestigiando uma obra e/ ou um artista é altamente baixo;

3) Também porque Claudio MacDowell ("O Toque do Oboé"), assim como Roberto Santos (diretor do clássico "O Grande Momento", produzido em 1958), morreu dentro do cotidiano medíocre que habitava, muito antes de ser devastado por uma doença incurável. Lembro de uma nota uma vez, no final do Festival de Cinema de Gramado, quando eu ainda era criança, de ver alguém dizer que Roberto Santos havia morrido de desgosto, por não ser reconhecido como cineasta clássico e pelas virtudes apresentadas em suas obras. Roberto morreu em 3 de maio de 1987, de infarto no miocardio, aos 59 anos. Se fosse autor de novelas certamente seria, pelo menos, comentado em colunas de fofocas. No caso, Claudio, também ator no passado, faltou-lhe beleza física para alavancar a carreira, ingrediente primeiramente indispensável para atrair os holofotes e fãs imediatistas. Não que isso seja mais importante que talento, porém, em um mundo onde uma postagem de foto de um menino (a) bonito (a) ultrapassa mil curtidas num perfil de facebook e vale mais que a notícia de morte de um "artista de relevância histórica", a inversão de valores defendida pela Geração Internet se sobressai à margem de qualquer crítica e triunfa impunemente;

4) Andy Warhol disse uma vez: "no futuro todos terão seus 15 minutos de fama". O artista plástico da avan-garde, Pai da Pop Art, não inventou algo, apenas usou a intuição para concluir que chegaríamos a essa realidade bem antes do século XXI, antes da internet e de todas as maravilhas da Era Digital. A  crise de consciência do homem moderno ainda não atingiu o clímax e está apenas começando. Em tempos em que a I. A. (Inteligência Artificial) já é uma realidade em oficinas do meio científico, o homem, conforme o documentário, "A Vida em Um Milhão de Anos", corre o risco de levar uma rasteira dos seres que serão criados em laboratório. Parece filme de ficção cientifica, mas não o é. Androides perfeitos estarão entre nós em questão de tempo. O que dizer então destes seres que um dia poderão gozar dos benefícios da Inteligência Artificial? Como ficará a Arte e a Cultura se o homem der seu lugar na Terra à uma Nova Criatura? Como seria o código ético desses seres? Seriam mais eficientes e menos preconceituosos em seus julgamentos que os seres humanos? O conceito de relevância histórica encontraria mais justiça neste Admirável Mundo Novo? A mediocridade teria tanta importância como tem hoje em nosso sistema democrático? Pois bem... Creio que somente uma viagem no tempo poderia nos dar essas respostas. Infelizmente este sonho de consumo jamais será realizado pela geração atual. O dom de antever o futuro ainda se prende a determinadas crenças espirituais e suas contestações por demais peculiares. Mas... Uma coisa é certa: as máquinas possuem mais memória que a mente humana quando programadas com extrema competência. Se um indivíduo criasse um banco de dados completo dificilmente a morte física de um artista ou personalidade pública passariam em branco na mídia virtual ou no universo físico. Essa seria uma compensação após tantos bombardeios de futilidades que recebemos diariamente do mundo virtual. Espero que esse futuro comece logo. Refiro-me ao futuro da memória cultural, que esta seja preservada com justiça e equilíbrio de poderes em todos os segmentos.

Da esquerda para a direita: Claudio MacDowell, Domingos de Oliveira e Alice de Andrade.



  Pois bem, essas são as respostas encontradas para uma pergunta de necessidade cultural momentânea. Nesse mundo de constante transformação social, política, cultural e filosófica, a discussão pode ter uma conclusão que não agrade a todos. Afinal, uma conclusão pode ser apenas um pensamento individual de um determinado nível de observação, em esfera geográfica desfavorável, mas, uma coisa é certa, existe um fato, um fato de que, pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro, um diretor de cinema de carreira profissional foi completamente ignorado pelo setor audiovisual. Começo por aqui, neste humilde blog, a reparação de uma gafe cometida pela mídia brasileira. Espero que este seja o início de algum despertar de consciência. Que lembremos sempre que possível não apenas de Claudio MacDowell, mas de muitos outros casos que poderão surgir onde muitos outros serão esquecidos pela tão decantada realidade nacional.





Claudio MacDowell

Ator, roteirista e diretor.










FILMOGRAFIA

Direção

1973 - "Mulheres que Fazem Diferente" (Longa-metragem, num dos episódios "Flagrante de Adultério").

1975 - "Quando as Mulheres Querem Prova" (Longa-metragem).

1976 - "Luz, Cama, Ação!"

1978 - "Assim Era a Pornochanchada".

1983 - "Já Dá Para Entender".

1998 - "O Toque do Oboé" (Longa-metragem)



Assistente de direção

1966 - "Todas as Mulheres do Mundo" (Longa-metragem).

Gerente de Produção

1967 - "Edu, Coração de Ouro" (Longa-metragem).

Ator

Estreou em "Pega Ladrão", de Alberto Piarilisi.

Demais participações:

1959 - "Assassinato em Copacabana", de Eurides Ramos.

1967 - "ABC do Amor". (Vários cineastas em episódios dentro do longa).

1969 - "Como Vai, Vai Bem?", de Alberto Salvá.

1972 - "Revólveres Não Cospem Flores", de Alberto Salvá.



Roteirista

1976 - "Luz, Cama, Ação!"

1978 - "Assim Era a Pornochanchada".

1984 - "S. O. S. Sex Shop (Como Salvar o Meu Casamento)

1998 - "O Toque do Oboé".