segunda-feira, 14 de maio de 2018

terça-feira, 8 de maio de 2018

BARÃO DE ITARARÉ, ENÉAS CARNEIRO E OUTROS PERSONAGENS DO UNDERGROUND QUE MORRERAM SEM GANHAR UM BOM FILME

Texto: Emerson Links.






  De tempos em tempos, a história do Brasil revela personagens pitorescos que, por negligência cultural de uma elite cultural (anacrônica) preocupada apenas em reaproveitar os ecos do cinema novo, deixa de resgatar as mais belas histórias. "Belas histórias" no sentido folclórico da palavra, eu diria. São muitos personagens que viveram nosso panorama, a começar pelo mais notório, o Barão de Itararé, sequer ganharam um esboço de realizadores vistos como "mentes abertas", mas que, na primeira oportunidade, investem na mesmice das comedias ligeiras e de conteúdo superficial (recuso-me a citar nomes e é só consultar o google que vocês irão encontrar os cineastas que caem em contradição quando se comprometem com um determinado estilo de filme). Justamente, agora que vivemos um momento de cinebiografias de personalidades tais como Tim Maia, Elis Regina, Paulo Coelho e a inedita Roberto Carlos, observo que a porta continua fechada para a diversidade. Quando falo em diversidade não centralizo o questionamento apenas na sexualidade das personagens a serem abordadas, centralizo a tendência que os formadores de opinião têm de considerar relevante apenas o mainstream e não o underground. Ocasionalmente a realidade das histórias já apresentadas pelos pós-moderninhos retrata apenas um circulo vicioso retrógrado instaurado em todo o país.

Tim Maia, que chegou a figurar na jovem guarda, era imensamente underground, antes de fazer sucesso na MPB na década de 1970.



  Raras iniciativas pularam a cerca da "ousadia" mas tudo, como de costume, ficou unicamente no campo da ficção, como é o caso de uma série de desenho animado brasileira chamada "Os Under-Undergrounds", produzida pela Tortuga Studios e exibida pelo canal Nickelodeon. Além da trama toda estacionar na ficção e batizar uma personagem com nome histórico, Heitor Villa Lobos (no caso, aqui, um guitarrista), nenhum envolvido rompe a barreira do ineditismo. Mutantes? Você já viu isso antes, não? Só que em outra embalagem, certo? Apesar do título, trata-se de uma série e não de um filme de cinema, que de "underground" só tem o nome. Não estou querendo puxar brasa para o meu assado, mas minha peça de teatro inedita, "Memórias da Turma do Parquão", é mais underground que essa série, isso sem falar que trato de personagens verídicos e que realmente estiveram à margem do sistema envolvendo-se nos movimentos (beatnik e hippie) que transformaram a história da sociedade.

O professor Valter Waichel e Antonio Martins Neto, duas crias do movimento hippie brasileiro ignoradas pela mídia. ("Memórias da Turma do Parquão"). Udigrudi e folclóre a toda prova.

O escritor "maldito" Humberto Machado, que participou dos movimentos beat generation e hippie, dos anos 1960. Outra personagem emblemática da Turma do Parquão.




 (...) E depois deste meu comentário pretensioso, pergunto eu: "Qual foi a última cinebiografia de personagem do underground brasileiro que você assistiu?" Se a resposta for "O Bandido da Luz Vermelha", você, leitor será obrigado a concordar comigo que estamos órfãos de personagens verídicos, que não tenham sido celebridades da mídia, desde 1969. E isso não poderia mudar?  Certamente que sim! - como sempre digo. A realização de cinebiografias de personalidades à margem do sistema isso, sim, seria algo bem underground. E, foi assim, que eu abri a discussão no primeiro parágrafo deste texto, criticando a mesmice generalizada da classe cinematográfica brasileira. Como só me resta, aqui, o direito de sugerir, retomo ao primeiro personagem underground citado que daria um bom filme, o irreverente Barão de Itararé, codinome de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, também conhecido por Aporelly, jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro. O falso título de nobreza ("barão") era uma investida criada por ele mesmo. Nascido no Rio Grande do Sul em 29 de janeiro de 1895, tornou-se célebre por suas frases de efeito que, em sua essência, criticavam em alto bom humor as contradições dos seres humanos do seu tempo. Esse ingrediente por si só já renderia uma comedia altamente pitoresca. Infelizmente, a elite cultural cinematográfica não se interessa por projetos de vanguarda, prefere seguir décadas a fio, filmando, de um modo geral, apenas histórias policiais ambientadas em favelas dominadas pelo tráfico ou (ainda) comedias descartáveis sobre casais em crise (no caso, Globo Filmes e seus "puxadinhos"). E essa mesma elite que critica o capitalismo e coloca o socialismo como porta de saída para a crise social sonha ganhar um Oscar e enriquecer realizando filmes em um país taxado de "consumista". Se o Barão de Itararé estivesse vivo não deixaria passar em branco essa contradição da nossa nobre "elite cultural".



  Pois então... Voltando a bater na mesma tecla, vejo que uma das saídas para a crise de criatividade  seria mesmo explorar biografias de personagens historicamente relevantes, porém, nunca adicionados numa lista de dez nomes do hit parade sistemático. Após sugerir um filme sobre o Barão de Itararé, seguindo uma ordem cronológica, gostaria de lembrar aos pesquisadores que nossa história musical no rádio é muito rica. A era de ouro do rádio - inicialmente anos 1930 - permite ser imensamente explorada e não apenas em razão da qualidade de seus protagonistas e sim dos seus coadjuvantes. Na primeira década do século XXI, através de uma iniciativa ímpar, resolveram rodar longas-metragens sobre o compositor Noel Rosa, porém, o mais underground do circuito, o paradoxal Madame Satã, ganhou projeção em uma obra audio visual em tom de poesia suburbana. Personagem marcante na Lapa dos anos 1930, Madame Satã, codinome de João Francisco dos Santos, foi o primeiro drag queen a ganhar notoriedade na vida noturna carioca onde a malandragem não era sinônimo de trapacear o cidadão comum e sim de celebrar a existência nas mais variadas manifestações artísticas, entre as quais, o samba. O ator Lazaro Ramos deu vida ao pouco historicamente comentado Madame Satã. O filme não foi nem um fenômeno de bilheteria, certamente por problema de distribuição nas salas de cinema, onde o Brasil enfrenta concorrência desleal e uma janela destinada apenas aos blockbusters americanos. Por outro lado, no próprio underground vigente, encontramos o cineasta Dimas Oliveira Junior, através da escola Oficina Rosina Pagan investindo em curtas-metragens sobre grandes personagens de nossa música popular clássica dos anos 1930 a 1950. O paradoxo é que, em tal iniciativa, Dimas (nacionalmente ainda um realizador underground), retrata apenas celebridades de ouro do mainstream radiofônico. Isso não reduz seu brilho, muito pelo contrário, mas enriqueceria a galeria se procurasse explorar os coadjuvantes menos comentados da história. Na maioria das vezes são esses coadjuvantes que trazem as melhores histórias de bastidores. Além de o próprio público (povão) se interessar isso seria um ganho solidamente cultural. Penso na minha sugestão, então... Que tal contar a história de algum radialista engolido pelas grandes corporações? Na minha visão, dentro do terreno das sugestões, isso, sim, seria retratar o underground do período de ouro da era do rádio.

Produções da Oficina Rosina Pagan resgatam velhos ícones do mainstream, mas em ritmo de divulgação underground.


  Entrando no mundo do rock (só para diversificar) existe uma galeria imensa que poderia ser bem explorada. Até agora, o cinema brasileiro retratou apenas os mais famosos, como por exemplo, Cazuza (no longa "O Tempo Não Para"), Renato Russo ("Somos Tão Jovens"), Tim Maia e Erasmo Carlos ("Minha Fama de Mau"). Como seria, neste caso, o cinema retratar os personagens do underground? Vamos começar com uma cinebiografia sobre o marginalizado Serguei. Não falo de pseudo-documentários e sim de um filme com atores genuínos, roteiro denso, marcações de cenas consistentes e tudo isso sem apelar para a habitual chapa branca ou erros históricos de datas (jamais checados pelos produtores aventureiros que sempre atropelam a iniciativa de outros mais preparados). Conheço, pelo menos, dois, que saberiam contar uma bela história. E outros que adorariam falar de bandas que tiveram presença em seu tempo, mas não frequentaram as paradas como Loupha ou Watt 69. O mesmo pode valer para quem fez sucesso ao lado de Roberto Carlos na jovem guarda, como a quase underground The Youngsters e ainda, de quebra, Os Canibais, outro grupo emergente na época. Entretanto, nos anos 1970, Walter Franco, Jards Macalé, Edy Star e Cornélius não renderiam grandes cinebiografias? A banda Made in Brazil, por exemplo, só virou documentário "independente", mas segue fora de exibição no grande circuito e jamais algum diretor pensou em realizar um filme com atores de verdade. Ainda poderíamos ter alguma obra sobre O Terço, Casa das Máquinas ou mesmo a lendária Bixo da Seda. Observo que um coadjuvante deste mesmo tempo, Ezequiel Neves, também seria outra possibilidade. Dos anos 1980, ainda teríamos Thomas Pappon, da banda Fellini e os compositores e músicos gaúchos Júlio Reny e Egisto Dal Santo. Questão de profunda análise, mas vai do gosto musical de cada realizador que seja iluminado e influenciado por cada possível biografia. O universo underground é rico. Qualquer nome pode render novos links. Eu próprio luto com dificuldade para finalizar a "Bíblia do Rock" e declaro que, muitas vezes, os menos famosos (e mais pitorescos) são os mais difíceis de entrevistar / biografar. Muitas vezes, eles próprios criam barreiras sem darem por conta. Daí, não adianta culpar a grande mídia se, por uma postura anti-estabilishment em momento inadequado, falo na terceira pessoa que "você afugentou a grande chance de ser redescoberto pelo público". Enfim, acabam prejudicando a si próprios.


Serguei, o underground roqueiro já era habitado na década de 1960.



O genial Walter Franco, grande compositor da MPB anos 1970, com quem convivi no final da década de 1990. Daria um filme, no mínimo, instigante.

Cazuza, roqueiro do mainstream virou filme, mas, seu amigo Ezequiel Neves, egresso do rock underground brasileiro poderia ir mais além.



  Num país que o próprio paradoxo se torna o paradoxo de si mesmo, penso ainda em sugerir, sem remuneração, outros nomes pitorescos que resultariam em grandes filmes. Na política, nenhum outro filme seria mais engraçado que retratar Éneas Carneiro, do PRONA. Dotado de uma fluência verbal sem igual e propostas bizarras, médico cardiologista e matemático, ele entrou para a história como o deputado federal mais votado do seu tempo. Nascido em 5 de novembro de 1938, em Rio Branco, no Estado do Acre, emergiu durante o período das eleições de 1989, quando tinha poucos segundos no horário político para apresentar suas propostas ("Meu nome é Enéas") e, por incrível que pareça, era o mais lúcido de todos. Dentro de um oceano de candidatos, sua capacidade intelectual e pragmatismo em curto espaço de tempo impressionava, mas o tom cômico, muitas vezes confundia os eleitores que achavam se tratar de uma brincadeira e não candidatura a Presidência da República. Enéas Ferreira Carneiro morreu em 6 de maio de 2007 e, em tempos infrutíferos na política brasileira, renderia, sim, um filme reflexivo. Infelizmente, a elite cultural brasileira, até então, se preocupou apenas em realizar um longa-metragem sobre a figura (hoje discutível) do ex-presidente Lula.

Enéas Carneiro, no auge da fama. Político anti-politicagem que daria um bom filme.


  Encerrando, as sugestões de personalidades do underground, ingresso, agora, em território nativo. Existem tantos talentos esquecidos pela imprensa brasileira (pra não repetir "mídia") que qualquer ator, atriz ou cineasta clássico pode virar personagem da atual cena artística. Em especial, no cinema, segue a lista de personas que, sob minha óptica, eu levaria cem anos para retratar: Carmen Santos (atriz e cineasta, uma das primeiras a produzir filmes no Brasil), Ankito (não era underground e fez muito sucesso na década de 1950, porém "esquecido"), Anselmo Duarte (o primeiro galã cineasta a entrar para a história que a nova geração desconhece), Franco Zampari (diretor de cinema da Vera Cruz), Odete Lara (atriz clássica), Alberto Ruschel (ator clássico), Otello Zeloni (comediante do cinema dos anos 1960), Darlene Gloria (atriz que ganhou fama nacional, mas que sumiu dos holofotes durante a juventude), David Cardoso (se você assistiu "Boogie Nights" vão entender porque inclui o nome dele numa possível biografia), Dilma Lóes (atriz e cineasta de "Quando as Mulheres Paqueram"), Fernanda de Jesus (uma beldade dos anos 1970 que mergulhou nas profundezas do underground). E, na posição de pesquisador, escritor e cineasta, não posso esquecer de Braz Chediak (e por que não?). Assim como o Carlo Mossy, ele teria várias histórias de bastidores que poderiam virar filmes dramatizados. Se sair daqui algo, lembrem-se de mim nos créditos finais. (Risos).

Anselmo Duarte - Começou de baixo, durante os anos dourados.


Ankito, o comediante com cara underground, era mais que um Oscarito alternativo.


Otello Zeloni, símbolo da comédia popular que a mídia esqueceu.


O cineasta clássico, Bráz Chediak, em Três Corações.

Dilma Lóes, atriz e cineasta, que sobreviveu a cultura machista dos anos de chumbo.

Fernanda de Jesus, uma das musas do cinema da década de 1970. A beldade pop que o underground engoliu, prepara autobiografia a ser lançada em breve.

David Cardoso, então udigrudi e bélico. Outra cinebiografia que poderia "acontecer".
    

Plato Divorak, o compositor e músico gaúcho, dos anos 1990, herdeiro da corrente psicodélica da década de 1960, emerge como personagem bastante comentada no underground roqueiro nacional. Mais um interessante longa poderia sair de alguma cartola.


  Ok. Algumas escolhas minhas, aqui, são baseadas em pesquisas de campo e não meramente no meu gosto pessoal (com raras exceções. obviamente, sou elético). Mas... Observem o seguinte: lembrar (ou sugerir) nunca é demais. Estou falando de filme dramáticos e não documentários imediatistas que, por bem ou mal, qualquer um pode fazer. Em tempos que somente as grandes celebridades ganham filmes nas telas dos cinemas brasileiros, como Bruna Surfistinha e congeneres. Não seria nada mal as grandes produtoras de cinema abrirem as portas para os novos talentos que vejo emergir das escolas. Garanto que estão perdendo tempo em não contratar tantos profissionais com, pelo menos, cem vezes mais preparo que aqueles que são contratados apenas por "amizade", nepotismo, etc. Não é à toa que o cinema americano continua popular, mesmo sofrendo de crise de criatividade, também (mais em grau menor), visto que filmes sobre super heróis mitológicos de revistas em quadrinhos ("Capitão América" e outros) são mais redentores que filmes brasileiros sobre traficantes (vide o longa-metragem "Alemão", "Meu Nome Não é Johnny", entre outros). Ah! Claro! Alguém pode alegar que filmes brasileiros sobre traficantes são recheados de crítica social, mas, será que uma película que retrate um herói egresso da sociedade civil não poderia virar um instrumento mais aprimorado de reflexão?


Edy Star, músico baiano revelado por Raul Seixas, o underground dos "underground". Renderia uma cinebiografia musical? 





  A esperança é a última que morre. Pode demorar séculos, mas ainda sonho viajar numa máquina do tempo e ver como tudo fica. E... aí vai a pergunta que não quer calar: "Quando os realizadores brasileiros terão uma visão de Primeiro Mundo?"








   
   

domingo, 6 de maio de 2018

STAR WARS - SOBRE A ATUAL DISCUSSÃO DA SAGA








  Resolvi me manifestar sobre o assunto, após flagrar tantos comentários infelizes sobre os rumos da série de longas-metragens. Pois bem... Como fã da saga, eu não podia ficar indiferente aos fatos. Pois bem... Acho pura ignorância tecer críticas gratuitas e sem embasamento, quando tais internautas partem para o extremismo. Mas... vamos lá. Desde a entrevista publicada na revista Cinemin, em 1983, o mestre George Lucas declarou que já planejava contar a pré-história das personagens filmando, assim, os episódios I, II e III. Então, o cineasta aguardou anos para que os efeitos especiais evoluíssem para tal missão. Portanto, quando alguém critica a realização destes filmes parece não lembrar desta questão. Imagine se George Lucas não tivesse completado a saga e deixasse apenas os episódios IV, V e VI. De qualquer jeito, os iconoclastas de plantão iam esculhambar o diretor e dizer que ele ficou em divida para com o público que o acolheu no passado. Enfim... Das plateias das arenas romanas até aqui nada mudou. Em tempo - sobre a nova geração e os filmes derivados de "Star Wars": Emilia Clarke (do longa "Han Solo") não é atriz da Disney como o mimis acusaram, pois ela fez carreira na série "Game of Thrones", Felicity Jones ("Rogue One") é uma atriz respeitada pela crítica. Diego Luna, ator latino americano também é diretor (nem tão novo assim) é prova da diversidade étnica atuante. Se existe unanimidade ela recai no protagonista Alden Ehrenreich (Han Solo), ator descoberto por Warren Beatty (em outro longa sobre Howard Hugues). Muitos questionam o talento deste ator, enfim...

Um dos melhores lançamentos da saga derivada, questionada por fãs conservadores.

O longa sobre o jovem Han Solo.

A linda e boa atriz Emilia Clarke.

Star Wars VIII - O Último Jedi.



  Quanto aos jovens da saga oficial, a discussão atual me faz lembrar quando meu pai falava a mesma coisa de Mark Hamill quando este foi lançado décadas atrás, ou seja, sempre o preconceito assume seu espaço em cada época. Obvio que os filmes novos são favorecidos pela tecnologia que, em contrapartida sempre ofusca o que de melhor a história possa apresentar, porém, são sinais dos tempos. Se os velhos mimados (leia-se adolescentes de outrora) estão insatisfeitos com os resultados de STAR WARS, simplesmente não assistam e procurem os super-heróis da Marvel ou da DC Comics para suprirem suas carências afetivas. E não sejam egoístas, caso sejam "solteirões", adotem uma criança e levem ao cinema.




(EMERSON LINKS).