domingo, 29 de outubro de 2017

MORTE DO CINEASTA CLAUDIO MACDOWELL NÃO NOTICIADA NA MÍDIA É PURO SINAL DE DESCASO DO JORNALISMO BRASILEIRO



Texto: Emerson Links.


  Eu queria me referir a isso como um fato ocorrido há trinta anos no cinema nacional, tempos em que a comunicação não era interativa e o grande público sequer imaginava que um dia frequentaria redes sociais. Devido a inexistência da internet as notícias de morte de artistas e personalidades públicas chegavam mais rápidas somente pela TV e pelo rádio, caso contrário era necessário aguardar algum tablóide ou revista no dia seguinte. O que me surpreende é que, mesmo nesses tempos de limitações no campo da interatividade, sempre saía alguma nota de rodapé sobre um profissional falecido, uma vez que determinado jornalista não achasse oportuno publicar uma matéria. Hoje, vivemos uma revolução digital que, embora seja discutível em alguns níveis, qualquer cidadão tem acesso a informação sobre outro cidadão em questão de segundos bastando consultar o google. Não precisa ser um artista do mainstream, muitas vezes um alfaiate de clube de futebol de bairro possui até um blog ou diário eletrônico, onde aqui e ali vai registrando suas ações e realizações locais. Portanto, tendo em vista isso, como posso crer que jornais, revistas e sites não noticiaram a morte de um diretor de cinema como Claudio MacDowell? Se outras personalidades irrelevantes já ganharam até uma nota em obituário virtual de seu município por que, desta vez, tal persona não mereceu sequer um registro de falecimento no Wikipedia?

RESPOSTAS

1) Simplesmente porque ainda vivemos num país subdesenvolvido, que durante a primeira década do século XXI, vendeu uma imagem de que os setores culturais e meios de comunicação haviam evoluído a um nível de Primeiro Mundo. Aparentemente artistas injustiçados, celebridades instantâneas e personalidades clássicas da vida pública passaram a ganhar vozes de grande projeção, através de documentários exibidos no Canal Brasil (na TV Paga) ou em sites fomentados por leis de incentivo ou colaboradores da iniciativa privada. Mas apenas aparentemente, porque, hoje, sabemos que muitas personalidades ficaram de fora do grande campo de pesquisa biográfico e que o público continua culturalmente alienado e pouco interessado naquilo que não o coloque numa posição de protagonista. A partir do momento que um cidadão comum passa a se sentir inserido num campo de atenção de alta visibilidade, o mesmo passa a ocupar o mesmo espaço (ilusório) de uma personalidade pública. Na maioria das vezes, o ego inflado de uma nulidade ganha voz e mesmo um cidadão comum e sensato, de acordo com o seu histórico, ganha certo destaque em blogs ou no you tube. Se existisse a internet que temos hoje, há uns trinta anos atrás certamente haveria um filtro maior - em outrora, quem quisesse se tornar artista ou celebridade era necessário assimilar os fundamentos da meritocracia. O oceano o qual internautas dividem o mesmo espaço na segunda década do século XXI contribui para uma perigosa usina de egos, onde arriscamos presenciar, no futuro, a substituição de valores culturais por valores historicamente fúteis e irrelevantes. Na realidade isso já está acontecendo de forma passiva. Quantas vezes não vimos um usuário posar de celebridade em um mero perfil de facebook? A forma ativa virá. Eu explico. Quando a internet evoluir para a tecnologia visual de nível avançado, quando os óculos de realidade virtual se tornar popular e oferecer um universo paralelo criado segundo imagem e semelhança do seu autor, o mundo verá o fim do conceito de sociedade que atualmente conhecemos. A intolerância no que concerne PERSONALIDADES x CIDADÃOS atingirá níveis extremos. A morte do "artista popular" se dará pela própria indiferença deste público egocêntrico que, mesmo agora, já começa a posar de celebridade instantânea nas redes sociais;

2) Pela própria irrelevância comercial do cineasta, Claudio MacDowell, em um país de Terceiro Mundo, que ainda continua consumindo mais produções internacionais nos cinemas e plataformas digitais. Se considerarmos que somos 200 milhões de brasileiros (ou mais) e que um filme de bilheteria não ultrapassa, normalmente, a casa dos 5 milhões de ingressos vendidos, pode-se dizer que o percentual de público prestigiando uma obra e/ ou um artista é altamente baixo;

3) Também porque Claudio MacDowell ("O Toque do Oboé"), assim como Roberto Santos (diretor do clássico "O Grande Momento", produzido em 1958), morreu dentro do cotidiano medíocre que habitava, muito antes de ser devastado por uma doença incurável. Lembro de uma nota uma vez, no final do Festival de Cinema de Gramado, quando eu ainda era criança, de ver alguém dizer que Roberto Santos havia morrido de desgosto, por não ser reconhecido como cineasta clássico e pelas virtudes apresentadas em suas obras. Roberto morreu em 3 de maio de 1987, de infarto no miocardio, aos 59 anos. Se fosse autor de novelas certamente seria, pelo menos, comentado em colunas de fofocas. No caso, Claudio, também ator no passado, faltou-lhe beleza física para alavancar a carreira, ingrediente primeiramente indispensável para atrair os holofotes e fãs imediatistas. Não que isso seja mais importante que talento, porém, em um mundo onde uma postagem de foto de um menino (a) bonito (a) ultrapassa mil curtidas num perfil de facebook e vale mais que a notícia de morte de um "artista de relevância histórica", a inversão de valores defendida pela Geração Internet se sobressai à margem de qualquer crítica e triunfa impunemente;

4) Andy Warhol disse uma vez: "no futuro todos terão seus 15 minutos de fama". O artista plástico da avan-garde, Pai da Pop Art, não inventou algo, apenas usou a intuição para concluir que chegaríamos a essa realidade bem antes do século XXI, antes da internet e de todas as maravilhas da Era Digital. A  crise de consciência do homem moderno ainda não atingiu o clímax e está apenas começando. Em tempos em que a I. A. (Inteligência Artificial) já é uma realidade em oficinas do meio científico, o homem, conforme o documentário, "A Vida em Um Milhão de Anos", corre o risco de levar uma rasteira dos seres que serão criados em laboratório. Parece filme de ficção cientifica, mas não o é. Androides perfeitos estarão entre nós em questão de tempo. O que dizer então destes seres que um dia poderão gozar dos benefícios da Inteligência Artificial? Como ficará a Arte e a Cultura se o homem der seu lugar na Terra à uma Nova Criatura? Como seria o código ético desses seres? Seriam mais eficientes e menos preconceituosos em seus julgamentos que os seres humanos? O conceito de relevância histórica encontraria mais justiça neste Admirável Mundo Novo? A mediocridade teria tanta importância como tem hoje em nosso sistema democrático? Pois bem... Creio que somente uma viagem no tempo poderia nos dar essas respostas. Infelizmente este sonho de consumo jamais será realizado pela geração atual. O dom de antever o futuro ainda se prende a determinadas crenças espirituais e suas contestações por demais peculiares. Mas... Uma coisa é certa: as máquinas possuem mais memória que a mente humana quando programadas com extrema competência. Se um indivíduo criasse um banco de dados completo dificilmente a morte física de um artista ou personalidade pública passariam em branco na mídia virtual ou no universo físico. Essa seria uma compensação após tantos bombardeios de futilidades que recebemos diariamente do mundo virtual. Espero que esse futuro comece logo. Refiro-me ao futuro da memória cultural, que esta seja preservada com justiça e equilíbrio de poderes em todos os segmentos.

Da esquerda para a direita: Claudio MacDowell, Domingos de Oliveira e Alice de Andrade.



  Pois bem, essas são as respostas encontradas para uma pergunta de necessidade cultural momentânea. Nesse mundo de constante transformação social, política, cultural e filosófica, a discussão pode ter uma conclusão que não agrade a todos. Afinal, uma conclusão pode ser apenas um pensamento individual de um determinado nível de observação, em esfera geográfica desfavorável, mas, uma coisa é certa, existe um fato, um fato de que, pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro, um diretor de cinema de carreira profissional foi completamente ignorado pelo setor audiovisual. Começo por aqui, neste humilde blog, a reparação de uma gafe cometida pela mídia brasileira. Espero que este seja o início de algum despertar de consciência. Que lembremos sempre que possível não apenas de Claudio MacDowell, mas de muitos outros casos que poderão surgir onde muitos outros serão esquecidos pela tão decantada realidade nacional.





Claudio MacDowell

Ator, roteirista e diretor.










FILMOGRAFIA

Direção

1973 - "Mulheres que Fazem Diferente" (Longa-metragem, num dos episódios "Flagrante de Adultério").

1975 - "Quando as Mulheres Querem Prova" (Longa-metragem).

1976 - "Luz, Cama, Ação!"

1978 - "Assim Era a Pornochanchada".

1983 - "Já Dá Para Entender".

1998 - "O Toque do Oboé" (Longa-metragem)



Assistente de direção

1966 - "Todas as Mulheres do Mundo" (Longa-metragem).

Gerente de Produção

1967 - "Edu, Coração de Ouro" (Longa-metragem).

Ator

Estreou em "Pega Ladrão", de Alberto Piarilisi.

Demais participações:

1959 - "Assassinato em Copacabana", de Eurides Ramos.

1967 - "ABC do Amor". (Vários cineastas em episódios dentro do longa).

1969 - "Como Vai, Vai Bem?", de Alberto Salvá.

1972 - "Revólveres Não Cospem Flores", de Alberto Salvá.



Roteirista

1976 - "Luz, Cama, Ação!"

1978 - "Assim Era a Pornochanchada".

1984 - "S. O. S. Sex Shop (Como Salvar o Meu Casamento)

1998 - "O Toque do Oboé".