domingo, 30 de abril de 2017

DILMA LOES - O ELO PERDIDO DO CINEMA NACIONAL

Atriz detentora de um grande talento para comedias de costumes, entregou-se a uma carreira discreta de cineasta independente e se exilou na Florida, Estados Unidos, ao estilo de Greta Garbo, bem longe dos holofotes.









Reportagem de EMERSON LINKS.





   Assistir três filmes por dia ainda são insuficientes para nós, pobre mortais. Imagine conhecermos profundamente toda a cinematografia brasileira (pior ainda se o objetivo fosse toda a filmografia universal), seria necessário uma ruptura dos demais entretenimentos em nossas vidas. "Nós", incluo, aqui, cinéfilos, atores, produtores, roteiristas, cineastas, membros da uma equipe técnica e todos os espectadores. Enfim... Acho que deveríamos ter mais humildade quando em redes sociais nos auto-proclamamos especialistas "in contest" da Sétima Arte. Explico melhor: No caso, se existisse uma forma de você encarnar e desencarnar automaticamente, daí, sim, certamente seria possível encontrar tempo para assistir os mais de 100 mil filmes lançados em toda a história (recente) da humanidade. Agora... caso você, cidadão comum ou operário da arte, resolva afirmar que tudo é possível, desde que encontre tempo (num mundo que exige cada vez mais sua presença num emprego burocrático ou meramente informal) certamente passará por um embusteiro. A grande realidade é que somente um aposentado financeiramente resolvido e com bagagem cronológica poderia atingir níveis de qualidade e quantidade de filmes assistidos anualmente. Ou então algum jovem de alto poder aquisitivo que com tanto tempo para coçar o saco resolva assistir cerca de três filmes por dia. Tendo em vista este sonho de consumo inviável para a maioria de cidadãos brasileiros, dedico essa matéria a todos aqueles que se esforçam para conhecer todas as obras cinematográficas antes de partir deste mundo para um melhor. Não falo apenas das famosas produções, pois existem alguns trabalhos de determinados artistas, independente da nacionalidade, que emergem como verdadeiros tesouros perdidos. Hoje, de súbito, decidi eleger uma personalidade especial.

A atriz em seu esplendor juvenil.




  Pois bem, vamos ao que interessa: DILMA LÓES.  Sua exposição oportuna em meu blogger de divulgação (referente ao livro de minha autoria, A BÍBLIA DO CINEMA - Antologia), confesso que foi meramente casual. Eu, sempre aberto a novos materiais de pesquisa para enriquecer o projeto (em oposição a outras obras que falam sempre dos consagrados) esbarrei com os olhos em um longa-metragem postado no you tube, com um título bastante curioso, "Quando as Mulheres Paqueram" (1971), no qual, inicialmente me capturou mais pelo conteúdo que pela forma. De tantos cineastas que eu já tinha ouvido falar ou conversado pessoalmente ou mesmo aqueles em contato "on line", jamais alguém acabaria me causando tanta inquietação positiva quanto a senhorita Dilma Lóes. Embora eu seja considerado jovem e distante de sua época, tive empatia suficiente para compreender o impacto de sua obra em seu tempo. Graças ao advento das redes sociais, obtive seu contato e fui correspondido de forma inesperada e ficando no compromisso de corresponder a altura.
  Mas vamos aos fatos. Imagine uma época onde as mulheres não tinham liberdade individual, onde os ainda ausentes direitos civis de ir e vir sem ser monitorado por autoridades, ou mesmo, a compreensão moral dos genitores que, embora fossem liberais artisticamente, poderiam ser ocasionalmente moralistas em razão aos ditames da época que viveram. Como uma jovem a frente de sua época, detentora de um feminismo (sem os radicalismos patológicos que presenciamos em plena década de 2000), Dilma, num único filme diverte o público das chanchadas dando o seu recado. Num mundo onde o machismo predominava, mesmo após as personalidades revolucionárias dos anos 1960 terem aberto as portas para uma liberdade sexual (leia-se aí Brigite Bardot ou mesmo Leila Diniz), tínhamos um público jovem (feminino) carente de "obras-críticas" que estivessem camufladas de comédias descompromissadas.  Dilma Lóes, atriz e roteirista, teve essa grande sacada em 1971. Se fizesse oficialmente parte da "panela" do Cinema Novo, certamente teria seu lugar guardado na história. Apesar da direção "operária" de Victor di Mello, os atores centrais se destacam, cada qual, com seu brilho particular. Neste é possível encontrar a bela Sandra Barsotti em sintonia com o seu tempo, período onde valia a pena se opor a um regime opressor, sem desconfiar dos danos que viriam nos anos vindouros. Sim, porque até que se prove o contrário, esquerda e direita se perderam para a corrupção no tão decantado sistema político brasileiro. Antes quando tudo era divertido ou doloroso (no caso, quando artistas irreverentes eram confundidos como subversivos) fazia sentido, sim, ser rebelde, esnobar autoridades de uma época bastante controversa. O filme, neste turno, apresenta jovens influenciados pelo movimento hippie (que na década de 1970 havia virado modismo). É através deste fio condutor que Dilma Lóes, pouco antes da segunda parte do filme, consegue ofuscar a competente Sandra Barsotti e a quase "low profile" Eva Christian. O mesmo vale para os pais da sua personagem (os não menos talentosos pais da atriz, Urbano Lóes e Lídia Mattos, na vida real), também para um eufórico Carlo Mossy, ator arremessado ao posto de galã, mas que, nos bastidores era anos-luz mais cerebral que seus personagens mundanos. Aparições modestas de outros galãs de esferas variadas, tais como Claudio Cavalcanti, Francisco Di Franco e David Cardoso completam o time dos machistas satirizados durante o tempo de duração de "Quando as Mulheres Paqueram". Como eu disse antes, Dilma teve a grande sacada: "Se nos anos 1970 o mundo ainda era governado pelos machistas, por que não inverter tudo e ver como é que fica?" (...) E ficou realmente uma doideira. Na realidade alternativa apresentada nesta comédia de costumes são as mulheres é que dão "cantadas" nos homens e não o oposto. Um filme que chega a ser profético se verificarmos que, atualmente, as mulheres representam esse "passado alternativo" sem qualquer arrependimento moral. Geralmente, as jovens mulheres do século XXI, quando desejam um homem, vão pra balada paquerar assumindo uma posição ativa, cada qual o seu objeto de conquista pré-definido. Imagine que fazer isso em 1971. Mulher assumindo o papel do homem era a maior afronta a moral e os bons costumes.
  Ah! E como Dilma Lóes era linda!!! Sua personagem, "o Patinho feio" da família, que sofre uma tremenda transformação na segunda parte de "Quando as Mulheres Paqueram" é altamente desconcertante. Para quem esperava por uma jovem setentista tipicamente clichê a tal "beliscada visual" é essencialmente prazerosa. De espevitada e enrustida se transforma numa "Pretty Woman", encaixando-se perfeitamente ao grande hit de Roy Orbison. Aliás, a trilha sonora do filme é outra grande surpresa. As músicas aparentemente estrangeiras eram, na verdade, composições brasileiras de José Itamar de Freitas, jornalista da Manchete que posteriormente foi diretor do Fantástico por muitos anos. Certamente fariam sucesso no underground psicodélico gaúcho dos anos 1990 e 2000. Considero isso um "achado", em tempos em que a jovem guarda desaparecia e o rock brasileiro se redefinia sob o comando de bandas de som progressivo, de rock rural e e de nutrientes do pluralismo musical de Raul Seixas. No filme protagonizado por Dilma Lóes, aos olhos e ouvidos leigos, tudo passa desapercebido. É necessário ter um gosto musical bastante apurado para se chegar a um desfecho redentor e isso ser transferido as próximas gerações sem falsas interpretações. (Graças a registros como este, obtivemos tais privilégios, mesmo que tardios, porém singulares). Independente do Canal Brasil, o que seria dos curtidores de nostalgia sem o site you tube? Quantos anos demorariam-se para um colecionador do cinema brasileiro encontrar este trabalho num sebo? E mesmo que isso ocorresse beneficiaria apenas um consumidor e não o público em geral. Graças a tecnologia temos um museu audiovisual a disposição no mundo virtual. E o cinema agradece.



Dima Lóes na novela "O Bem Amado", de Dias Gomes.




Sandra Barsotti, uma das mais belas atrizes e grande parceira de filmes da biografada em questão. 


                                                                         
Thiago Lacerda (o genro) e Vanessa Lóes (filha e atriz).


O cineasta Victor Di Mello.




DILMA LÓES  - UM BREVE RESUMO

   Mais que ser sogra do famoso galã Thiago Lacerda e de ser a mãe da atriz Vanessa Lóes (que conheci apenas ao assistir o DVD da mini-série "Engraçadinha"), Dilma possui um passado cinematográfico demasiadamente heterogêneo. A carreira da eterna guerreira iniciou bem antes de "Quando as Mulheres Paqueram" (1971). Dilma era filha dos já citados e renomados pais, Urbano Lóes e Lídia Mattos, nascida no Rio de Janeiro, em 22 de julho de 1950. Ignorando a cartilha de "bem-nascida", arregaçou as mangas e buscou trabalho como modelo sendo, assim, escolhida espontaneamente para atuar em filmes. Muito anos tempo antes, a bela garota já havia manifestado sua inclinação para a escrita. Era autora de diversas peças de teatro em tempos que estudava no colegial. O final dos anos 1960 prometiam. Primeiramente, segundo o wikipedia, estreou em 1968, num filme francês chamado "Globbe Troter", mas seu personagem de maior visibilidade neste período seria num filme protagonizado por Mazzaropi, "Betão Ronca Ferro". Provavelmente, ela teria se destacado melhor caso não fosse afetada pela figura autoritária do maior comediante da história. Em seguida, apareceu em "River of Mistery" (1969/1971), produção americana rodada no Rio de Janeiro e feita para a TV dirigida por Paul Stanley, onde dividiu cena com os renomados atores Edmond O'Brien ("Meu Ódio Será Tua Herança"), Vic Morrow ("Sementes da Violência") e Claude Akins (oriundo do clássico "Onde Começa o Inferno"). Poucos antes, ela também participou de outros dois longas da Nova Era, "Parafernália, O Dia da Caça" e "Vida e Glória de Um Canalha" (ambos de 1970). Era sempre a moça bonita, mas com alguns diferenciais bem atípicos. Não vou contar porque estraga, certo? Pois bem!!!


                                                             
Filme: "River of Mistery" (1971).




   Aos poucos, Dilma Lóes foi se tornando um nome conhecido no meio artístico. Namorou e casou com o diretor Victor Di Mello, o que nos remete ao já comentado "Quando as Mulheres Paqueram", filme que seria rotulado injustamente de "pornochanchada" e seria interditado pela censura. Discordo da visão daqueles que foram jovens nesta época e teciam críticas maldosas à respeito. Mesmo assistindo essa comédia com os olhos de "ontem", constato que sequer existiam cenas de sexo, apenas nus discretos para algum chamariz de bilheteria. Um peitinho ali e outro aqui. Nada além. Qualquer novela de televisão exibida nos dias de hoje, uma vez comparada aos filmes taxados de pornochanchadas, refletem como verdadeiras orgias de sexo implícito. Na época, o cinema americano se sentia ameaçado pela crescente bilheteria do cinema brasileiro. Reparem que "Dona Flor e Seus Dois Maridos", em 1976, faturou cerca de seis milhões de ingressos. Então, corria nos bastidores, um suposto acordo entre críticos brasileiros que se vendiam para os distribuidores estrangeiros. Armou-se, segundo as boas e más línguas, uma campanha de chamar os filmes brasileiros de "pornochanchadas" e de tal forma afastar o grande público que migrava das salas que exibiam blockbusters.



  Traçando um paralelo aos filmes estrelados por Dilma Lóes, emergia também o intrépido ator e cineasta Carlo Mossy, que enfrentava o mesmo tipo de preconceito. O galã (já citado no primeiro parágrafo desta matéria) construiu uma carreira à margem de todas as críticas, não importando-se muito com o rótulo de "pornochanchadeiro". Enganaram-se demasiadamente os críticos de plantão. Mossy era uma figura intelectualizada, bem próxima ao existencialismo de John Cassavetes (também galã, ator e cineasta). Por ignorância da contracultura da época, ele merecia mais respeito do que obteve em sua fase comercial de ouro. Havia uma veia cômica nele que fez eclodir uma parceria promissora com Dilma Lóes em "Essa Gostosa Brincadeira a Dois" (1974). Outro grande momento que considero na filmografia da atriz. No mesmo filme, a presença de Vera Fischer vem abrilhantar discretamente a obra, mas quem rouba a cena é mesmo o casal-central, que está sempre junto porém sempre como amigos, até a história deles sofrer uma reviravolta.
  Após uma célebre experiência na TV Globo, na histórica novela de Dias Gomes, "O Bem Amado" (1973), ficou claro que seu negócio era mesmo o cinema. Um ano antes, Dilma havia contracenado com o então renomado Claudio Cavalcanti em "O Grande Gozador", arrancando elogios do público. Esse filme, eu diria que foi o divisor de águas em sua carreira. Só não ficou na Globo estendendo seu talento para os telespectadores foi porque realmente não quis.

Emiliano Queiroz e Dilma.


Sucesso de público e crítica em Gramado. 


  A década de seu brilho entrava em conflito com seus anseios de trabalhar mais confortavelmente nos bastidores, produzindo e acontecendo em um astral superior. Seus próximos filmes como atriz foram "Os Maníacos Eróticos" e "Com Um Grilo na Cama" (ambos produzidos em 1975). Ela ainda teria uma boa exposição em "A Volta do Filho Pródigo" (1979), trabalho que acabou resultando no Prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Cinema de Gramado. Entretanto, sua presença na cinematografia nacional diminuiria nos anos 1980 e 1990 (vide a filmografia abaixo), mas a gratificação pessoal como cineasta e roteirista de documentários não teve preço e isso os leitores poderão conferir no trecho de uma entrevista que gravei com ela, via on line, direto da Florida, Estados Unidos, em abril deste ano e que foi postada em meu canal no you tube.          



  Enfim... Essa foi a forma propositalmente pitoresca que encontrei para rememorar a carreira de uma artista multifuncional, esquecida pelo imediatismo da mídia brasileira. Aguardo seu retorno, independente da grande mídia lembrar dela. Enquanto isso não acontece, espero que outros cineastas a redescubram.
  E a vida segue...




PARA SABER MAIS:


ASSISTA ALGUNS FILMES DA ATRIZ DISPONÍVEIS GRATUITAMENTE NO YOU TUBE:


                                              Filme: "Ascensão e Queda de Um Paquera".

                                             


                                              Filme: "Quando as Mulheres Paqueram".





                                              Filme: "Betão Ronca Ferro".




Filme: "Essa Gostosa Brincadeira a Dois"








                  ASSISTA UMA CENA DE DILMA LÓES NA NOVELA "O BEM AMADO" (1973)





              TRECHO DA ENTREVISTA CONCEDIDA A EMERSON LINKS EM ABRIL DE 2017:

(PARTE 1)




https://www.youtube.com/watch?v=lBcqmI5fMQc&t=8s


(PARTE 2)





Filmografia


Fonte da filmografia: Wikipedia.