sábado, 30 de junho de 2018

ALFREDO STERNHEIM - ENTREVISTA COM O CINEASTA




Diretor e roteirista. Um dos sobreviventes da geração que surgiu na década de 1970, na lendária Boca do Lixo, na região central de São Paulo. Mesmo com textos que seguiam a cartilha de esquerda, conseguia driblar a censura do governo militar da época, através dos filmes que lançava, sempre com revestimento nitidamente erótico. Também atuou como jornalista e autor de livros sobre cinema. Atualmente é consultor da série "Magnífica 70", produzida pela Conspiração Filmes.   


A ENTREVISTA


EMERSON LINKS

Naturalmente, vamos começar falando da sua carreira antes de idealizar o primeiro longa-metragem de sua carreira como diretor. Você sempre quis realizar esse tipo de trabalho em cinema ou tinha em mente se aprimorar em outro segmento?

ALFREDO STERNHEIM

Ainda na adolescência, pensava somente em ser ator. Mas, após assistir as filmagens de "Osso, Amor e Papagaios" durante dois dias (era figurante), minha ambição se tornou mais ampla. Passei a ter vontade de dirigir, de fazer filmes também. Mais tarde, desisti de ser ator.

EMERSON LINKS

Quais são suas maiores lembranças sobre a história do cinema? Cite influências, tais como gênero de filme, atores e diretores?

ALFREDO STERNHEIM

Não sei precisar. Gosto dos mais variados gêneros. Inclusive musicais Mas só me foi permitido fazer dramas, policiais e comédia. Mas tenho meus diretores preferidos: Billy Wilder, Alfred Hitchcock, Max Ophuls, Ingmar Bergman, Douglas Sirk, Zeffirelli, Blake Edwards, Louis Malle ...




EMERSON LINKS

Como foi a sua experiência em seu primeiro trabalho de direção “Paixão na Praia” (1971)?

ALFREDO STERNHEIM
  
Difícil. Com a típica insegurança de uma estreia na direção de um longa metragem. Ainda  por cima, com muitas limitações econômicas: 18 latas de negativo apenas, 18 dias de filmagem. Mas acho que me sai bem!




EMERSON LINKS

Você trabalhou também com grandes comediantes como Norma Benguell, Adriano Reis e Ewerton de Castro em “Paixão na Praia”. Qual foi a sensação de fazer parte disto? Você já tinha consciência de estar trabalhando em algo que seria reconhecido como clássico no futuro?

ALFREDO STERNHEIM

Não tinha consciência – e creio que ninguém tem – de um futuro reconhecimento como clássico. Norma já era uma estrela internacional e tinha convivido com ela em “Noite Vazia” (1964), quando fui assistente de Walter Hugo Khouri. Adriano era um ator popular e Erton, eu o descobri no teatro, fiquei espantado com aquele talento incrível no palco, escrevi o personagem pensando nele. Nesse filme trabalhei também com Lola Brah, uma atriz mítica de nosso cinema. Escrevi pensado nela. Acabou se transformando em grande amiga. Foi emocionante poder contar com eles no filme. 

EMERSON LINKS

No ano seguinte, você dirigiu o longa “Aquelas Mulheres” (1973). Comente suas experiências ao participar desta produção.

ALFREDO STERNHEIM

Fiz um episódio que ficou inacabado na finalização sonora. Como todo o longa. O meu episódio tinha Lillian Lemmertz, Roberto Bolant e Sergio Hingst. Foi estimulante na filmagem, mas triste ao ver que não iria ser finalizado.




EMERSON LINKS

Ainda em 1973, você dirigiu o filme “Anjo Louro”, onde a atriz Vera Fischer se consagrou, dividindo cenas com os saudosos Mário Benvenutti e Celia Helena. Esse seu trabalho foi proibido pela censura federal da época na quinta exibição. Quais foram suas impressões sobre esse trabalho posteriormente?

ALFREDO STERNHEIM

Gosto muito do filme, acho que resistiu ao tempo, mas ficou prejudicado pelos cortes impostos pela Censura Federal da Policia Federal então dirigida pelo repressor General Antonio Bandeira. Não perdoou  a sua arbitrariedade. Eu o odeio assim como o chefe da censura da época Rogério Nunes. Faço questão de declinar o nome desses senhores autoritários que serviam a ditadura militar.




EMERSON LINKS

Por que, no seu entender, as comédias românticas passaram a ser taxadas de "pornochanchadas", um rótulo incomodo (para alguns realizadores) e que se prolongaria por décadas. Qual visão você tinha deste trabalho na época?

ALFREDO STERNHEIM

A minha visão e a de muitos na época é a que estávamos fazendo cinema.

EMERSON LINKS

Não fui eu que criei esse rótulo de "pornochanchadas" e sim os críticos da época (releia, por gentileza, a minha pergunta acima se for o caso). E se as comedias eram taxadas de pornochanchadas pela crítica dessa forma, então que os profissionais desta época se retratem. Verifique que na sua entrevista para a Zoom Magazine, o jornalista se refere ao termo, publicada em 11 de abril de 2016). Também considero "pornochanchada" um rótulo incomodo para os realizadores dos anos 1970. Pois bem... Vamos a próxima pergunta. (...) Em “Lucíola, O Anjo Pecador” (1975), você trabalhou com Carlo Mossy e Rossana Ghessa, desta vez numa adaptação de um romance de José de Alencar. Quais as razões de optar por uma adaptação e não por outra história original?

ALFREDO STERNHEIM

Foi escolha do produtor Alfredo Palácios. E fiquei feliz com a escolha do livro e o fato de me chamarem para dirigir. Uma benção que me levou (junto com o filme) ao IVº Festival Internacional de Teerã em 1975, certame que tinha  filmes e e presenças de Lina Wertmuller, Antonioni,ves Boisset,  William Holden, Rex Harrison, Charlotte Rampling, Dyan Cannon  e outros Foi maravilhoso ver o filme ser assistido e aplaudido por mais de 800 pessoas de outra cultura (o povo do Irã).








EMERSON LINKS

Em “Corpo Devasso” (1980), você teve David Cardoso no elenco e Ody Fraga no roteiro. O que te atraiu realizar este projeto?

ALFREDO STERNHEIM

Eu que ofereci o projeto para o David, escrevi pensando nele para o papel principal. Me atraiu passar por um tema pouco explorado por nosso cinema: o do jovem que sai do ambiente rural e vai para a cidade grande onde também se prostitui.

EMERSON LINKS

Em “Violência na Carne” (1981), você contou com a forte presença “física” de Helena Ramos, atriz que tinha um dos corpos mais sensuais da época, no circuito de cinema que atuava. Você tinha consciência de que esse recurso de usar o erotismo ajudava a vender a obra audiovisual?

ALFREDO STERNHEIM

Tinha.

EMERSON LINKS

Qual foram os ingredientes dos seus filmes responsáveis por sua popularidade como cineasta? Foram as atrizes em destaque, o roteiro ou o contexto oferecido como alternativa de entretenimento momentâneo?

ALFREDO STERNHEIM

Acho que, de tudo um pouco.

EMERSON LINKS

Reza a lenda que muitas atrizes de sucesso ou mesmo fenômenos fugazes foram lançadas por você como diretor. Você se sentiu gratificado nesse sentido? Exemplos: Vera Fischer, Sandra Brea, Rossana Ghessa, Helena Ramos, etc. 

ALFREDO STERNHEIM

É um exagero, ou uma lenda. Todas elas (as citadas) já eram atrizes consagradas quando as dirigi. Mas foi um prazer, uma alegria poder dirigi-las.

EMERSON LINKS

Você escreveu uma autobiografia, “Um Destino Insólito”. Fale sobre esse trabalho.

ALFREDO STERNHEIM

Acho que o livro fala por si.   

EMERSON LINKS

Você já pensou em se associar a outros talentos, produzindo histórias / projetos promissores ou pretende parar por aí?

ALFREDO STERNHEIM

Já pensei, aliás penso e me ofereço. Espero que role. Espero que não me deixem parado.

EMERSON LINKS

Foi uma surpresa para parte do público saber que no resto do país, conforme aponta a última matéria do blog sobre várias produções independentes que não recorreram a Lei Rouanet e editais?

ALFREDO STERNHEIM

Foi uma surpresa. E um ato de coragem que, espero, se amplie. A Lei Rouanet tem seus méritos, mas está tendo um uso muito distorcido. Com muitos casos de orçamentos altos e irreais, incompatíveis com as respostas médias do mercado, , está inflacionando os custos. Essa situação precisa mudar. O Cinema da Boca era muito mais racional nos custos.

EMERSON LINKS

Você pretende assistir essas produções independentes citadas no blog A BÍBLIA DO CINEMA, como é o caso do longa O DIÁRIO DE UM EXORCISTA, de Renato Siqueira, que assim como você é diretor e roteirista simultaneamente? Ou como Evandro Berlesi, do Rio Grande do Sul, que criou o grupo de cinema independente Alvoroço? Ou mesmo Dimas Oliveira Junior com o grupo Oficina Rosina Pagan, em São Paulo, que realiza filmes fora do circuito? (Tenho observado ao entrevistar todos os diretores aqui que não há união, quando deveria haver, não há intercâmbio quando o certo seria isso, vide reportagens anteriores do meu blog). Obs. O próprio entrevistador é cineasta e está tocando projetos como o já mencionado A BÍBLIA DO CINEMA, BÍBLIA DO ROCK e O AMOR NOS TEMPOS DA INTERNET. Todos estes livros e longas-metragens registrados no EDA e estão em curso. Enfim, você pretende assistir os citados, para se atualizar a nova realidade e passar um pouco da sua experiência através de parcerias de diferentes gerações?




ALFREDO STERNHEIM

Pretendo. Quero ter essa oportunidade. Quero passar a minha experiência e receber a dos novos. Nesse sentido, um dos trabalhos mais gratificantes que fiz foi participar do projeto da série "Magnifica Setenta", sob a liderança do cineasta Claudio Torres, ao lado de roteiristas mais jovens. Foi maravilhoso.

EMERSON LINKS

Você acredita que esse movimento possa se tornar forte a ponto de influenciar as grandes produtoras a investir nos novos talentos?

ALFREDO STERNHEIM

Acredito.

EMERSON LINKS

Fale um pouco de seu trabalho do dia a dia, como sobrevive no mercado e planos para o futuro.

ALFREDO STERNHEIM

A sobrevivência está difícil.  Mas escrevo textos de crítica, dou palestras sobe vários fases da História do Cinema  e sobre o cinema brasileiro. E aceito encomendas de roteiros.

EMERSON LINKS

Quais são suas influências como diretor?

ALFREDO STERNHEIM

Citei acima os diretores que admiro, mas não sei se tenho influência deles.

EMERSON LINKS

Cite um ou mais injustiçados do cinema brasileiro.

ALFREDO STERNHEIM

Jean Garrett, J.B. Tanko, Fauzi Mansur,  Afranio Vital, José Medina, eu... José Carlos Burle, Salce...

EMERSON LINKS

Que conselho você daria a um profissional que esteja, agora, iniciando um projeto de cinema, hoje, baseando-se na sua experiência e exemplo como profissional da classe?

ALFREDO STERNHEIM

Não sei. Os tempos são outros, a forma de produção mudou.

EMERSON LINKS

Muito obrigado então.



(FIM DA ENTREVISTA)


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